Folha de S. Paulo
Por que a renovação será baixa na Câmara
dos Deputados?
Uma percentagem inédita (87%) dos atuais
deputados federais está buscando
a reeleição; 1% a mais do que em 2018, quando 444 deputados fizeram o mesmo
(86%). Desse grupo, 56,5% foram reeleitos; o menor percentual desde 1986. A
taxa de reeleição deverá manter a tendência vigente desde 1982: os incumbentes
levando vantagem. O bônus médio do incumbente (estimado em 53%) acentuava-se a
cada eleição, até a quebra do padrão nas últimas eleições.
Eis o paradoxo: à medida que dobrava a participação nas eleições entre 1970 e 2000 (passando de 40% a quase 80% da população acima de 18 anos), as vantagens dos titulares crescia sem cessar até 2014. E isso se manifestava de várias formas, inclusive na percentagem de votos dos eleitos relativos aos não eleitos dentro dos partidos (que pula de 4,5% para 8,5%). Os dados são de pesquisa realizada por Dani Hidalgo e Renato Lima (2016).
É nítido o contraste com o período
1946-1964, quando nossa democracia era muito menos inclusiva e o país ainda
rural. Na realidade, o padrão se inverteu: havia desvantagens em ser titular, o
que mudou sob o regime militar. Minha expectativa neste ano é que não haverá
simplesmente uma "reversão à média". Quatro fatores podem produzir
uma descontinuidade forte, ainda mais pró-incumbentes.
O primeiro é o novo fundo multibilionário
de campanha que turbinará as atuais lideranças partidárias e detentores de
mandato. Assim, as barreiras à entrada serão ainda mais altas.
O espaço para um certo empreendedorismo
político individual que a lista aberta permitia para candidatos em redes
próprias de financiamento encolheu devido à proibição do financiamento
por empresas. O jogo agora é mais intrapartidário, restrito a um número
cada vez menor de partidos.
Em segundo lugar, a carreira parlamentar
tornou-se mais atraente devido a mudanças que aumentaram o protagonismo do
Legislativo e suas prerrogativas, principalmente no que se
refere ao Orçamento.
Em terceiro, a janela de oportunidade para
outsiders se fechou. A tempestade perfeita de 2013-2017, que foi a combinação
de crise econômica inédita, megaescândalos de corrupção e manifestações de rua
em massa, esvaneceu. É certo que o discurso antissistema ainda permanece —a
principal indicação disso é que o próprio presidente age como se fosse outsider,
não incumbente—, mas a mudança é radical. O quarto é o efeito coattail; os
eleitos na esteira de Bolsonaro irão encolher.
Como já assinalei aqui, caminhamos para um
padrão peculiar: a formação de cartel partidário, contexto
de afiliação a partidos e identificação partidária das mais baixas
registradas na América Latina e mesmo fora dela.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
Nenhum comentário:
Postar um comentário