Correio Braziliense, 15.11.22
Lula tem razão quando lembra que muitos defendem o teto de gastos para evitar a volta da inflação, sem defesa de piso social, para assegurar todo brasileiro com alimentação satisfatória, escola de qualidade, atendimento de saúde, moradia com saneamento, garantia de emprego e renda com moeda estável. Tanto quanto a desigualdade como a educação de base é oferecida, a maior causa da pobreza é a desvalorização da moeda que rouba o valor dos salários pagos aos trabalhadores. Há décadas a inflação faz parte da arquitetura de concentração de renda, que os economistas, empresários e políticos impõem ao povo brasileiro. Mas a estabilidade da moeda é insuficiente se os governos não fizerem os investimentos sociais necessários.
O Brasil precisa definir políticas sociais
e de crescimento econômico que atendam às necessidades básicas da população e
promovam emprego. Lula lembra que um gasto que salva vida ou constrói
infraestrutura é investimento. Para tanto, o Estado precisa investir o que for
necessário, tendo consciência de que esses investimentos exigem gastos no
momento que são realizados e que não devem ser financiados pelos próprios
pobres ao receberem salários e bolsas com moeda desvalorizada e sofrerem as
consequências do endividamento, juros elevados, preços inflacionados e
consequente recessão e desemprego.
Além do piso social, é preciso haver teto
em gastos desnecessários, mordomias, desperdícios e privilégios: ineficiência,
ostentação, prioridades e política fiscal que concentram. O Brasil precisa também
definir um limite ao uso de seus recursos naturais, para evitar a depredação
que sacrifica as gerações futuras. Os dois governos Lula praticaram essa ideia
de pisos e tetos: criaram programas sociais, foram responsáveis fiscalmente e
comprometidos com o meio ambiente. Precisa-se de uma reforma fiscal que permita
financiar as necessidades dos pobres, eliminando desperdícios e ineficiências,
para manter a estabilidade da moeda em benefício do povo e do país.
Em vez do nervosismo por uma fala
improvisada de Lula enfatizando mais o piso social do que o teto de gastos, os
agentes econômicos — compradores e investidores — deveriam observar os atos de
Lula, nos seus oito anos de governo e sugerir formas para financiar os gastos
sociais com uma política fiscal responsável, capaz de barrar excessos de gastos
e de subsídios dirigidos à parcela rica e à indústria ineficiente. Para
assegurar o piso social que atenda às necessidades e retome o crescimento, é
preciso impor tetos aos privilégios. Romper o teto de gastos com os pobres e
impor teto de benefícios aos privilegiados.
Tudo indica que Lula vai manter seu
compromisso social e repetir a responsabilidade fiscal de seus dois governos,
com orçamentos equilibrados. Ele tem manifestado a importância do fator confiança
e da previsibilidade como condição ao bom desempenho da economia e já
demonstrou saber que a responsabilidade fiscal é determinante para que os
agentes econômicos tomem decisões corretas. Por isso, a necessidade de piso
social e de limites em gastos supérfluos.
Ao longo de décadas, economistas e
políticos optaram pela ideia de que a pobreza decorre da falta de crescimento e
justificaram ostentação, gastos supérfluos, desperdícios e ineficiências como
ferramentas para superar a pobreza. Iludiram os pobres cujo trabalho era pago
com a falsa moeda da inflação. Usaram a inflação para que os pobres
financiassem o progresso para os ricos, agravando a pobreza enquanto o país
crescia. Foi graças à maldade da inflação que o Brasil conseguiu estar entre os
países mais ricos e aqueles com maior concentração de renda e número de pobres
e de famintos.
Nossos economistas, empresários e políticos
precisam perceber que a permanência da pobreza é um dos maiores entraves ao
progresso nacional e sua superação promove o crescimento e o desenvolvimento. O
mercado deve entender que os investimentos sociais impactam positivamente sobre
a economia e levar em conta que parte do bom desempenho da economia nos anos de
Lula veio dos resultados do que se investiu em educação, saúde, Bolsa Família.
E muitos ao redor do Lula esquecem que isso foi possível graças à estabilidade
monetária. Sem os investimentos sociais o crescimento fica limitado, sem a
estabilidade monetária os benefícios sociais são corroídos.
Lula precisa aumentar gastos sociais e manter equilíbrio fiscal, reduzindo privilégios, desperdícios, ineficiências: piso para os necessitados e teto para os privilegiados.
*Professor emérito da UnB e
membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação
Um comentário:
O mestre disse tudo! Parabéns, professor Cristovam! Magnífica coluna! Os especuladores do deus mercado deveriam lê-la... Pena que talvez não a entendessem!
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