Correio Braziliense
Desde de 1964, nunca houve tanta agitação a
favor de um golpe militar como a que estamos assistindo desde a eleição do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ontem, Dia da Proclamação da
República, seria apenas mais um dia em que gente muito fanática, defensora de
uma intervenção militar, protestasse à porta dos principais comandos militares
do país, entre os quais os do Planalto, em Brasília — onde reside a maioria dos
generais de quatro estrelas —, e no Rio de Janeiro, que abriga o maior
contingente militar do país. Seria apenas mais um dia de vigília bolsonarista,
não fosse o Twitter do general Eduardo Villas Boas, uma indiscutível liderança
militar, endossando as manifestações golpistas e pondo mais lenha na fogueira.
O ex-comandante do Exército poderia ter ficado na dele, mas não: decidiu surfar os protestos para reafirmar sua liderança junto aos descontentes com a derrota do presidente Jair Bolsonaro e, talvez, na tropa que está na ativa. “A população segue aglomerada junto às portas dos quarteis pedindo socorro às Forças Armadas. Com incrível persistência, mas com ânimo absolutamente pacífico, pessoas de todas as idades, identificadas com o verde e o amarelo que orgulhosamente ostentam, protestam contra os atentados à democracia, à independência dos poderes, ameças à liberdade e as dúvidas sobre o processo eleitoral”, afirma.
Com isso, o velho general alimentou ainda
mais as infundadas críticas e maliciosas suspeitas ao resultado das urnas, com
a mesma ambiguidade com que Bolsonaro silencia diante do resultado oficial da
eleição, e não reconhece publicamente a inequívoca vitória de Lula. Pelo custo
e envergadura da mobilização, que ontem completou duas semanas, é evidente a
existência de um forte movimento de extrema direita, organizado com o propósito
de melar a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Villas Boas critica a imprensa por não dar
aos manifestantes a importância que gostaria: “Talvez nossos jornalistas
acreditem que ignorando a movimentação de milhões de pessoas elas
desaparecerão. Não se apercebem eles que ao tentar isolar as manifestações
podem estar criando mais um fator de insatisfação. A mídia totalmente
controlada nos países na Cortina de Ferro não impediu a queda do Muro de
Berlim. A História ensina que pessoas que lutam pela liberdade jamais serão
vencidas”, afirma.
Com fina ironia, inverteu o significado
histórico de um velho bordão das esquerdas contra as ditaduras: “O povo unido
jamais será vencido!”. No dia 29 de outubro, véspera da eleição, Villas Boas
havia publicado um tuíter no qual traçou um cenário catastrófico em caso da
vitória de Lula, o quem tudo a ver com a sua manifestação de ontem.
O golpe de 1889
Não poderia haver data mais simbólica para
a manifestação e a posicionamento de Villas Boas. A Proclamação da República
foi um golpe militar, que se apropriou do movimento republicano com o propósito
de implantar uma ditadura, como acabou ocorrendo por duas vezes, na Revolução
de 1930 e no golpe militar de 1964. O Marechal Deodoro da Fonseca (1827-1892),
principal chefe do Exército brasileiro, foi praticamente arrancado da cama, em
15 de novembro de 1889, para destituir a Monarquia.
Fora escolhido para liderar o levante
militar pelos jovens oficiais liderados por Benjamin Constant (1836-1891),
professor da Escola Militar da Praia Vermelha e expoente do Positivismo no
Brasil, a doutrina que impregnou de tal forma a política brasileira que sua
síntese até está bordada na bandeira nacional: “Ordem e Progresso”.
Democracia não é um valor universal no
ideário positivista. O golpe foi rocambolesco. Reunidas as tropas no Campo de
Santana, onde hoje está localizada a Praça da República e o Quartel General do
Comando do Leste, Deodoro derrubou o gabinete do Visconde Ouro Preto e voltou
para casa. Somante mais tarde, o velho e adoentado marechal foi convencido a
assinar o documento que extinguiu a monarquia, que durava já 70 anos.
O imperador Dom Pedro II foi banido do
Brasil com a família, e embarcou rumo à Europa na madrugada do dia 17 de
novembro, sem entender direito as razões de sua queda. A população somente
soube mais tarde desses acontecimentos. Para evitar uma guerra civil, dom Pedro
II não quis resistir, após 49 anos de reinado. Sabia que elite brasileira
estava insatisfeita desde o fim da escravidão, em 1888.
Entretanto, não acreditava que os militares (irritados com os salários e desprestígio desde a Guerra do Paraguai) e os cafeicultores (que exigiam indenizações pela abolição da escravatura) o destituíssem. Muito menos a Igreja Católica, apesar de insatisfeita com o padroado (sua prerrogativa de preencher os cargos eclesiásticos mais importantes) e o seu beneplácito (aprovação das ordens e bulas papais para que fossem cumpridas, ou não, em território nacional), que já haviam provocado uma crise com o Vaticano, de 1872 a 1875. É que os sacerdotes eram tratados como funcionários públicos, recebendo salários da Coroa — teoricamente não apoiaram um Estado laico, republicano.
4 comentários:
No ritmo e no tempero do assunto, um belo e certeiro 'tiro ao árvaro' do bom jornalista!
Pena que não deu pra pegar no entubado: nem tudo é só pontaria...
O general é canalha e o principal responsável por 690 mil mortos por covid-19.
MAM
O general deve ser mesmo canalha, mas o principal responsável pelas mortes evitáveis durante a pandemia era só capitão, começava por J e terminava por O.
Os militares sempre se acharam.
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