O Globo
É muito pouco provável que mais de 2 mil
bloqueios de estradas tenham surgido de maneira espontânea
Já se passaram três semanas das eleições, e
o movimento golpista segue vivo. Apesar de politicamente isolado e sem
expectativa razoável de êxito, continua mobilizado num patamar elevado, ainda
que decrescente.
Polícia
Federal, polícias estaduais, Ministério Público e Supremo Tribunal
Federal (STF)
investigam a organização e o financiamento dos protestos antidemocráticos. O
desafio é entender em que medida são espontâneos, em que medida organizados. E,
se organizados, qual é a cadeia de comando. A questão de fundo é descobrir se
foi formada uma organização criminosa para contestar a ordem democrática e o
processo eleitoral e se (e até que ponto) o presidente ou lideranças
bolsonaristas estão envolvidos.
Um dos pontos fundamentais é entender o silêncio de Bolsonaro e dos influenciadores e lideranças bolsonaristas. Foi resultado de perplexidade e desolamento pela derrota ou estratégico? O presidente e seu entorno ficaram paralisados por uma derrota não esperada ou seu silêncio foi manobra para articular o movimento golpista de forma sorrateira, fora da esfera pública, de maneira a não se fazerem notar e a fugirem das implicações políticas e jurídicas?
A favor da hipótese de um silêncio fruto da
perplexidade, está o fato de o movimento golpista não ter objetivo definido.
Não sabe se pede recontagem, anulação da eleição, intervenção “constitucional”
das Forças Armadas ou diretamente um golpe de Estado. A ascensão entre os
golpistas da exigência de uma “intervenção federal”, figura sem previsão legal
e absolutamente confusa, mostra como o movimento está sem norte. A mudança de
estratégia de bloqueios de estrada para os protestos nos quartéis, sem
esperança de resposta, e uma “greve geral” muito improvável também sugerem
baixa coordenação.
Mas alguns indícios sugerem que o silêncio
de Bolsonaro e das principais lideranças bolsonaristas pode ser estratégico. Em
primeiro lugar, é muito pouco provável que mais de 2 mil bloqueios de estradas
tenham surgido em dois ou três dias de maneira espontânea, sem nenhum tipo de
coordenação ou planejamento. Além disso, não apenas o presidente se calou,
como, nos primeiros dias, as lideranças e os principais influenciadores
bolsonaristas também ficaram quietos.
Se Bolsonaro tivesse apenas ficado
paralisado com o resultado inesperado, seria de esperar que as lideranças se
dividissem, algumas apoiando e incentivando os bloqueios, outras lamentando,
mas aceitando o resultado, e um terceiro grupo apontando para soluções
jurídicas, como recursos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Mas, nos dois primeiros dias, houve um silêncio tão generalizado que sugere
orquestração.
Os relatórios enviados pelos órgãos de
segurança ao ministro Alexandre de Moraes mostram que os protestos
antidemocráticos foram organizados por lideranças locais, empresários,
policiais e ex-policiais, fazendeiros, funcionários públicos e políticos das
cidades. Em alguns estados, como no Acre, há grandes agropecuaristas
financiando as manifestações, mas, em outros, o apoio material parece vir de
comerciantes locais. A lista das 43 empresas e pessoas físicas cujas contas
bancárias foram bloqueadas na última segunda-feira sob a acusação de
financiamento aos protestos antidemocráticos se concentra muito em Mato Grosso,
sobretudo em três famílias na cidade de Sorriso. A questão é se essas
lideranças locais e esses empresários, grandes e pequenos, agiram
independentemente, de forma espontânea, ou foram convocados por uma instância
superior a agir.
O STF reuniu agora grande quantidade de
informação fornecida pelas forças de segurança e por procuradores nos estados.
Moraes dispõe ainda dos dados dos grupos de WhatsApp e
de Telegram e
das contas de mídia social identificadas como promovendo e articulando os
protestos antidemocráticos. É material mais que suficiente para estabelecer, de
uma vez, se os protestos dos últimos dias foram locais e relativamente
espontâneos ou se foram orquestrados por uma organização criminosa envolvendo o
presidente da República.
Um comentário:
Leiam O golpe que Bolsonaro vai dar. Aqui neste blog mesmo.
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