Folha de S. Paulo
Ex-ministro da Educação defendeu a PEC da
Transição e tem dado ênfase à melhora da qualidade do gasto
O que pensa Fernando
Haddad sobre economia? Difícil dizer, mesmo colando entrevistas
e trechos de escritos dos últimos quatro anos, quando suas declarações e textos
tiveram mais relevância para o assunto.
Além do mais, essa colcha de retalhos até
um tanto injusta pode ser logo substituída por um tapete de trama organizada
assim que o novo ministro nomear equipe, der suas diretrizes e respostas aos
problemas mais urgentes, entre eles o do crescimento
sem limite da dívida pública.
Um pouco de história. Causou alguma
surpresa que Fernando
Henrique Cardoso fosse nomeado ministro da Fazenda de Itamar
Franco, em 1993, o quarto em sete meses de governo. Sobre economia, o que havia
dito de mais sistemático era sociologia ou algo próximo de história econômica,
trabalhos acadêmicos que haviam parado lá pelo começo dos anos 1970. FHC
conduziu a criação do
Plano Real.
Quem se dispusesse a pesquisar o que pensava o novo ministro, não acharia muito mais do que generalidades, para ser ameno. Mas suas amizades e proximidades com o que seria a equipe padrão de economistas tucanos dava pistas. Mas era só isso. FHC foi um político sagaz, com visão de história, para a frente também. Percebeu como desatar o nó gigante do problema econômico com o político, fazendo tudo isso ainda de modo a levar sua carreira ao topo.
Não se trata de uma comparação
despropositada e desproporcional de Fernandos, apesar de suas similaridades
superficiais (professores de ciências sociais da Universidade de São Paulo que
calharam de vir a ser ministros da Fazenda). É apenas um exemplo.
De muito recente, Haddad defendeu o aumento de gasto no Orçamento de 2023, o pacotão da PEC da Transição. Diz que a despesa federal como proporção do PIB assim ficaria no mesmo nível de 2022, o que de resto evitaria desastres como o causado pelo governo de trevas (2019-2022), que fez controle de gastos simplesmente deixando de pagar contas essenciais.
Até agora, não se sabe o que Haddad pensa
da deterioração
de expectativas econômicas (juros e inflação) do último mês,
provocada por decisões de gasto e declarações
do comando político da transição.
Já demonstrou apreço pela ideia de que
aumento de gasto pode ter "efeito multiplicador" (a despesa extra vai
render crescimento do PIB e da receita bastante para ser compensada), o que é,
como tese geral, no mínimo controverso e inspiradora de besteira econômica
grossa.
Por outro lado, Haddad tem dado ênfase, um
pouco ignorada, à melhora da qualidade do gasto. Parece uma generalidade banal.
Se levada a sério, significa simplesmente criar métodos de verificar se tal
gasto tem resultado: eficiência. Não significa necessariamente medir eficácia
com o objetivo de cortar despesa, mas de fazer mais em áreas como saúde e
educação. O governo federal quase não tem esses controles.
Haddad já se disse vagamente a favor de
algum método de controle do aumento da despesa e do endividamento ("regra
fiscal"), mas não se sabe o quê, francamente. Sem detalhes, isso tudo é
conversa fiada. Na prefeitura de
São Paulo (2013-2016), reduziu a dívida e conteve o crescimento
da folha de salários.
É a favor da aprovação melhor reforma
tributária que já se formulou nos últimos 25 anos, a liderada intelectualmente
por Bernardo Appy e que foi formatada e emendada pelo Congresso de modo
razoável. Essa reforma está pronta para ser aprovada, mas deve sofrer com o
lobby de setores empresariais em tese prejudicados, o que tem ajudado a
enterrar reformas
tributárias faz um quarto de século.
Appy foi secretário do ministério da
Fazenda de Antonio Palocci, sob Lula 1, um dos bons quadros que acabaram se
afastando dos governos petistas.
É a favor de tributação mais justa, em
especial sobre os cidadãos de maior renda e patrimônio. Espera-se que, enfim,
consiga levar tal projeto adiante.
Haddad parece ter apreço genérico por
políticas de desenvolvimento: mudar a estrutura produtiva do país por meio de
intervenções governamentais diversas. Daí pode sair praticamente qualquer
coisa, de ineficiências e despesas inúteis e pró-ricos, catástrofes como as
do governo Dilma
Rousseff, até programas novos e inteligentes de correção e
orientação leve de decisões de mercado, invenções de novidades produtivas e
crescimento mais dirigido a pobres.
No entanto, já criticou explícita e
duramente decisões do governo Dilma, em particular o intervencionismo
microeconômico. Sempre foi a favor de parcerias
público-privadas, uma boa ideia até hoje fracassada no país, por
falta de regulação e garantias decentes.
Acha que o BNDES pode ter papel na política
"desenvolvimentista", que se tornou péssima e mortalmente afamada no
governo Dilma. De novo, pode ser. O BNDES, o bancão federal de desenvolvimento,
pode atuar de várias maneiras, em estudos de projetos e engenharias financeiras
espertas. Mas já se ouviu no governo de transição luliano que o banco pode ser
instrumento de subsídios ruins para o crédito.
Haddad já elogiou o programa luliano de
apoio do BNDES a empresas de capital nacional. Não prestou. Além do mais, já
sugeriu tributar ou subsidiar bancos, a depender da taxa de juros que cobrem.
Faz tempo, quatro anos, mas já sugeriu.
Em 2018, quando ainda não era candidato a
presidente, Haddad falava em revogar parte da reforma
trabalhista (como aquela que aumentou muito o risco de o
trabalhador ter de pagar o custo de um processo e, assim, reprimiu o número de
ações na Justiça).
Pensava também em usar parte das reservas internacionais (poupança em moeda forte guardada no Banco Central) a fim de financiar investimentos públicos e usar estatais em planos de desenvolvimento. Ironicamente, o uso de reservas para financiar investimento, até hoje sempre uma ideia ruim, constava também do programa de governo de FHC de 1994, lá enfiada pela dita "ala esquerda" do PSDB.
3 comentários:
Ok
Uma retrospectiva útil do que o futuro ministro já pensou. Mas, na prática e no novo posto, as coisas poderão ter que ser muito diferentes. Como já disse FHC, "esqueçam o que escrevi" ou falei...
Tudo muda.
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