Revista Veja
É imperativo buscar consenso entre as partes interessadas
Na semana que se encerra foi apresentado um
ambicioso programa de trabalho para a reforma tributária. Vale fazer algumas
observações sobre o tema. A reforma tributária está na pauta das intenções do
mundo político há décadas, mas, como sempre, pouco ou nada acontece. A
indefinição e a não conclusão do debate sobre temas complexos se apresentam
sempre que não há consenso entre as partes envolvidas. Nesse caso, para
construir esse consenso, é necessário observar algumas condições.
A primeira é avaliar a realidade tributária atual, dissecar suas distorções e mensurar a extensão das perdas e dos ganhos que a reforma provocará, tanto para governos quanto para o setor privado. Sem um pleno conhecimento da realidade e dos impactos das mudanças propostas será difícil avançar.
A segunda condição reside na
disponibilidade (ou não) dos atores em ceder para se chegar a um consenso. Quem
está pagando muito no atual sistema certamente deseja pagar menos. E quem
desconfiar que vai pagar mais, é um sério candidato a trabalhar contra o novo
sistema. Como então chegar a um entendimento que seja aceito pelos principais
players?
Os municípios, por exemplo, vão aceitar
perder o ISS (Imposto sobre Serviços) em troca de um IVA (Imposto sobre o Valor
Agregado)? Os estados vão renunciar às alíquotas escorchantes de ICMS sobre
combustíveis, telecomunicações e energia em favor de um imposto a ser
compartilhado com municípios e o governo federal? Essas reflexões nos levam a
uma outra questão importante: o governo federal estaria disposto a compensar as
perdas dos que serão prejudicados?
São dúvidas que, se não forem muito bem
esclarecidas, podem funcionar como barreira contra o consenso. Existem outros
pontos igualmente levantes. Temos os maiores estados do país em produção
econômica controlados por governadores de oposição. O governador de São
Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos),
tem dúvidas sobre o futuro da reforma. Isso já revela como será complicado
aprovar mudanças que já nascem sob a descrença do estado mais importante da
federação.
Temos ainda as dúvidas sobre a forma de
aprovação da reforma, como e quando ela entraria em vigor. O Brasil tem uma
complexidade econômica, social e ambiental semelhante à da comunidade europeia.
Não há como impor uma reforma tributária sem um prazo longo de adaptação e
previsão de revisão periódica de seus resultados por meio de um comitê
permanente de acompanhamento e avaliação.
Por fim, existe o sujeito oculto da
reforma: o cidadão que paga tributos elevados e recebe em contrapartida
serviços, em geral, medíocres. As empresas brasileiras gastam em média 1 500 horas por ano
apenas para pagar seus impostos. Vivemos em meio a um emaranhado de portarias e
resoluções que facultam um poder extraordinário
aos arrecadadores. Seria interessante, portanto, que, em paralelo à
reforma tributária, se discutisse também — como condição sine qua non — um Código de
Direitos do Contribuinte.
Publicado em VEJA de 8 de março de
2023, edição nº 2831
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