domingo, 6 de agosto de 2023

Míriam Leitão - A democracia e o impensável

O Globo

Bolsonaro e Trump tentaram insurreições para mudar o sistema eleitoral e a democracia ainda não sabe consertar este estrago institucional

Brasil e Estados Unidos viveram tantos ineditismos nos últimos anos, que o anormal passou a ser o cotidiano. Agora, pouco nos assustamos com presidentes respondendo a processos por conspiração contra a democracia ou por incitar seguidores a invadir sedes de poderes. Ou por tentar permanecer no poder mesmo diante da derrota eleitoral. Tudo seria considerado bizarro se contado a nós anos atrás. Isso nunca aconteceu antes. E com tal intensidade que as pessoas ainda estão anestesiadas.

Há muito em comum entre Jair Bolsonaro e Donald Trump. Os últimos dias mostraram de novo os paralelos. Ambos estão muito encrencados e a cada semana novas evidências aparecem de uma sucessão de ilegalidades. Respondem a vários processos na Justiça, são acusados de diversos crimes e investigados por conspiração. Trump foi indiciado pela terceira vez por tentativa de alterar o resultado das eleições. Bolsonaro é investigado por participação em atos golpistas. A diferença entre ambos é que o ex-presidente brasileiro está inelegível, e o ex-presidente americano tenta voltar ao poder e lidera as pesquisas das primárias americanas.

A explicação dos especialistas em política norte-americana para a aberração de Trump ser presidenciável e poder concorrer à Casa Branca é que os fundadores da pátria jamais pensaram que algo assim pudesse acontecer. Ele foi indiciado em três processos e em cada um deles há várias acusações. Um processo por fraudar documentos contábeis para esconder que comprou o silêncio de uma atriz pornô, outro por levar para casa documentos secretos que envolvem a segurança nacional e o terceiro por conspiração contra os Estados Unidos. Ao depor essa semana, ele afirmou que é um perseguido político e sentenciou: “triste dia para a América”.

Bolsonaro tem também um número impressionante de investigações e processos, e a cada semana um novo desdobramento aumenta o cerco em torno dele. Acusado de participação em atos golpistas, de ter vazado documentos sigilosos, de omissão na pandemia, de tentar interferir na Polícia Federal. Na ação movida por ele ter divulgado mentiras relacionando a vacina da Covid à Aids, o procurador- geral Augusto Aras pediu o arquivamento. A ministra Rosa Weber não concordou.

Na semana passada, houve dois episódios que cavaram mais o fosso em que Bolsonaro está entrando. O ex-ajudante de ordens Mauro Cid encrencou-se ainda mais — o que parecia impossível — com os indícios de que tentou vender um relógio da marca Rolex por US$ 60 mil que foi dado pela Arábia Saudita ao ex-presidente. A deputada Carla Zambelli foi alvo de operação que tenta comprovar suspeitas de diversos crimes. Ela teria pago ao hacker Walter Delgatti para invadir o Conselho Nacional de Justiça e postar documento apócrifo. Zambelli o levou ao presidente Jair Bolsonaro e a conversa foi sobre como hackear urnas eletrônicas. Delgatti teria ido também ao Ministério da Defesa. Sua possível delação premiada pode trazer novas informações sobre mais essa tentativa de Bolsonaro, de parte da cúpula militar e de parlamentares da base do governo anterior na conspiração contra as eleições.

Trump lá é acusado de mentir sobre o resultado das eleições, Bolsonaro aqui tentou manter seus seguidores convencidos de que o TSE forjara a vitória de Lula. Os dois tiveram comportamentos condenáveis em inúmeros casos. Trump disse em alto e bom som que seus seguidores deveriam ir até o Capitólio. Bolsonaro foi para os Estados Unidos sem reconhecer a derrota e deixando seus seguidores acoitados em frente ao quartel-general do Exército, de onde saíram para invadir os Três Poderes.

Isso jamais havia acontecido antes. Na nossa República vivemos duas grandes ditaduras, tentativas de golpes de estado e dois impeachments. Mas nada parecido com o que foi vivido com Bolsonaro. Nos Estados Unidos, em 236 anos, nunca houve algo como Trump. É novo, surpreendente e os Estados Unidos ainda não sabem como vão se defender desse inimigo da democracia.

Trump e Bolsonaro tentaram insurreições para mudar o resultado eleitoral. Mas, mesmo que eles sejam condenados e presos, a democracia ainda não sabe como consertar o estrago institucional feito por pessoas que jamais deveriam ter chegado à presidência. A democracia não se preparou para o impensável e, por isso, permanece vulnerável.

 

3 comentários:

EdsonLuiz disse...

■São coisas de extremistas e de seus apoiadores!

O Niger acaba se sofrer um golpe.
▪Enquanto isto, está o PT e seu entorno incensando Burquina Faso e Malí, dentro do clima de aqueles países darem sustentação ao golpe em curso no Niger.

Os golpistas que usurparam o poder com o uso da força e mantêm o presidente nigeriano preso faz cinco dias são articulados e armados pelo ditador da Rússia.

Observe-se que os dirigentes de Burquina Faso e os do Malí são, eles mesmos, extremistas que pelo uso da força usurparam o poder nos seus países há dois anos, também com o apoio de Vladimir Putin e do Grupo Wagner (que nome assustador e sintomático tem essa milícia da Rússia!).

Sendo os golpes no MAGREB uma articulação de Vladimir Putin, isto explica um tanto o apoio velado do PT e o silêncio de Lula em relação a mais este golpe.

Que poder de sedução tem esse Vladimir Putkn:: Putin consegue ter a simpatia de Lula, de Bolsonaro e de Tramp. Como será que Putin consegue isso? Ou a explicação de ter o apoio desses populistas está nos caras e não em Putin?

Nem o consórcio de 15 países da Comunidade Econômica Africana informando que farão intervenção armada contra os golpistas do Níger para libertar o presidente aprisionado e restabelecer a democracia caso os golpistas do Níger não recuem faz Lula dar uma mínima declaraçâo condenando o golpe.

Ficam a França e os Estados Unidos sozinhos com seus aliados democráticos buscando proteger regimes legítimos contra os extremistas e seus apoiadores, sempre tão venais, incompetentes e corruptos quanto os extremistas que apoiam.

Se mesmo diante das atrocidades da Rússia contra o desejo de democracia do povo ucraniano Lula escolhe as declarações que dá para favorecer os interesses de Putin contra os países democráticos e o PT dá a Putin apoio explícito, esperar o quê destes apoiadores de extremistas?

ADEMAR AMANCIO disse...

Trump e Bolsonaro,ninguém explica!

EdsonLuiz disse...

Tramp, Bolsonaro, Lula, Putin, Hugo Chaves, Nicolas Maduro, Evo Morales, Erdogã, Victor Orbán...

...Explica-se cada um destes sim, e o grosso da explicação é comum a todos eles. Mas quem os apoia bloqueia os sentidos quando se trata do seu Mito e se esforçam em se desmarcarem de outros seus tão iguais!