O Estado de S. Paulo
Andar sem saber exatamente qual é o caminho parece ser a experiência vital mais frequente, mais compartilhada entre todos nós
In everyone there sleeps a sense of life
lived according to love, diz o poeta inglês Philip Larkin (1922-1985), que
livremente traduzo por: em todos dorme um sentido da vida vivida conforme o
amor. Há uma aspiração comum, própria da condição humana, ou o verso de Philip
Larkin romantiza a vida, descreve uma fantasia?
Anos atrás, num texto pessoal, em que
refletia sobre a paternidade, escrevi para mim mesmo que “paternidade e
maternidade são, acima de tudo, cuidado e carinho. São realidades humanas que
se abrem para fora. Não são ‘necessidades pessoais que precisam ser atendidas’.
A rigor, não ser pai ou não ser mãe não é nenhuma carência, nenhuma
incompletude, por mais que a sociedade e tantas fantasias digam o contrário.
Incompletude é não amar ou não dar à vida um grande sentido de serviço”.
Seria razoável ou absurda minha pretensão
de vislumbrar, a partir da minha experiência pessoal, um sentido geral da vida,
que também incluísse os outros na reflexão?
Hoje em dia, resistimos a fazer afirmações firmes sobre a vida, mesmo que sejam apenas para nós mesmos. Somos conscientes dos limites da nossa experiência. Sabemos que ela é relativa, moldada pelo nosso lugar no mundo. Também temos horror a que os outros queiram, a partir da sua experiência pessoal, nos dizer como se deve viver a vida. E, ao menos no plano da razão teórica, não queremos fazer com os outros o que não desejamos que eles façam conosco. Respeitamos, queremos respeitar cada vez mais, o âmbito individual de cada um.
Que bom é viver numa época que valoriza a
esfera pessoal. Mas isso também tem seus riscos. O respeito à individualidade
pode levar à distância, à indiferença. Não é nenhum segredo. Estamos hoje mais
sozinhos na hora de lidar com os desafios da vida. Uma crise mais séria, uma
frustração mais forte, uma dificuldade que nos tira o chão conhecido. Sozinhos
e carentes de respostas genuínas. As respostas que nos oferecem soam
superficiais, voluntaristas ou mesmo mentirosas.
Aonde quero chegar com tudo isso? O mundo
de hoje, este que parece tão repleto de oportunidades e possibilidades, é o
mesmo que se apresenta incrivelmente árido para oferecer caminhos e respostas
para as questões mais fundamentais, mais pessoais, mais íntimas.
Caminante, no hay camino, se hace camino al
andar, diz o poeta andaluz Antonio Machado (1875-1939). Andar sem saber
exatamente qual é o caminho parece ser a experiência vital mais frequente, mais
compartilhada entre todos nós. Sentimo-nos tateando paredes no escuro. Tentando
descobrir sentido na realidade diária. Buscando vislumbrar um horizonte futuro
aberto à esperança.
Mas a vida não são só dúvidas. Ela também
oferece luzes sobre o que vivemos. É Antonio Machado quem nos diz: Al andar se
hace camino, y al volver la vista atrás se ve la senda que nunca se ha de
volver a pisar. Caminante, no hay camino, sino estelas (rastros) en la mar.
Gostaríamos de ver sempre, todos os dias,
grandes luzes em nosso horizonte vital. Mas elas escasseiam, são momentâneas.
Dificilmente são visualizadas na nossa timeline real, aquela que aparece em
nosso interior quando nos permitimos o silêncio, quando aceitamos nossa própria
companhia.
Na busca de sentido, as reflexões éticas
habituais parecem ou rígidas demais, impedindo o atuar livre, ou frouxas
demais, não oferecendo uma referência efetiva. Queremos compreender a dimensão
humana das nossas vidas. Mas ela é arredia. Mostra-se quando quer, não quando
se precisa.
Agora, não mais nos atrevemos a falar em
ideais, em projetos definitivos de vida. Parecem grandes demais, utópicos
demais, soberbos demais. Somos – assim nos dizem – uma poeirinha cósmica
insignificante.
E o que fazer, então, com nossos sonhos,
nossas aspirações, nossas inquietações? Ninguém sabe ao certo. Olham-nos
surpresos. São perguntas indelicadas. Não devem ser ditas, menos ainda
publicadas. Talvez – sugerem – nossos sonhos possam ser empacotados em
experiências. É o que o mundo atual parece oferecer. Um sentir qualificado,
sofisticado, irresistível. Mas nada muito além disso.
O mantra contemporâneo diz que não devemos
nos cobrar demais. Deveríamos apenas viver. Mas o que é apenas viver? Não há
respostas prontas. Será levar a vida sem grandes expectativas? Será tocar o dia
a dia esperando a próxima sexta-feira, as próximas férias? O mundo, que antes
parecia tão deslumbrante, tornase estreito, incapaz de realizar nossos desejos,
de preencher nossas carências.
A vida tem sede de rebeldia. Mas estamos
todos um pouco cansados, anestesiados, adormecidos. Entretidos com outras
coisas. Incapazes, muitas vezes, de ver o outro, de encontrá-lo, de tocá-lo.
Não sei se me iludo, mas dou razão ao verso de Philip Larkin. Ele não diz que o
amor dá sentido à vida, em uma fórmula mágica que exclui o drama existencial.
E, sim, que dorme, em cada um de nós, um sentido da vida vivida conforme o
amor. Aqui, não existe receita nem trilha aberta. É a personalíssima aventura
de despertar e viver esse sentido – cada um o seu –, livremente, todos os dias.
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*Advogado
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