segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Fernando Gabeira - O drama invisível dos entregadores

O Globo

Cortei grama em cemitério na Suécia, e o que mais admirava era todos os trabalhos terem remuneração digna

Antes e depois da pandemia, fiz um trabalho sobre os andarilhos, mostrando como povoam as margens das estradas brasileiras e são invisíveis para a maioria dos motoristas. Mas há outro tipo de pessoa incorporado à paisagem urbana que, às vezes, nem é notado. São mais de 1 milhão de entregadores por aplicativos que cruzam as ruas do Brasil. Contribuem com nosso conforto e também com a mobilidade urbana.

Hoje, é possível que façam uma grande manifestação para mostrar como recebem pouco e como são precárias suas condições de trabalho. Grandes empresas, como a Amazon, fizeram uma proposta de R$ 12 a hora para motociclistas e R$ 7 para ciclistas. É muito pouco. Lembro-me de ter trabalhado muitos anos na Suécia e ganhava por hora mais do que ganhariam por um dia de trabalho.

Cinco horas em cima de uma bicicleta para ganhar R$ 35 é realmente uma ninharia. Já estive por cinco horas diárias numa bike, durante a campanha política, e sei como é cansativo.

Os ganhos dos entregadores eram maiores e têm caído vertiginosamente com o tempo. Isso se explica, como acontece com todas as categorias, pelo aumento de disponibilidade da mão de obra — o crescimento do que, em termos clássicos, chamamos exército industrial de reserva. As empresas aproveitam a disponibilidade de milhares de pessoas que ficam subitamente sem trabalho e lançam mão do carro, da moto ou da bike para sobreviver. Em alguns casos, o trabalhador ainda paga o aluguel da bicicleta por hora.

Durante a pandemia, cresceu um pouco o interesse pelos entregadores. Assim como os que trabalham na saúde, e outras atividades essenciais, apareceram como aquelas pessoas indispensáveis que, às vezes, ignoramos. A pandemia passou, mas não se apagou a realidade revelada por ela. São trabalhadores essenciais, e não tem sentido que vivam com tanta precariedade.

Ocupei postos menos importantes na Suécia. Fui porteiro noturno de um hotel tranquilo, cortei grama em cemitério, mas o que mais admirava na sociedade escandinava era exatamente todos os trabalhos terem uma remuneração digna. Aliás, é uma das características que às vezes impressionam os brasileiros: as diferenças salariais não são tão grandes como aqui. Uma campanha para que filhos de trabalhadores entrem na universidade, todos viajem de avião, como às vezes é expressa na política brasileira, não teria sentido por lá. Já é um dado da realidade.

Existem algumas dificuldades para que se faça justiça aos entregadores. Possivelmente, não queiram se organizar em sindicatos. São acossados por um número cada vez maior de pretendentes ao trabalho. E não encontram um eco na política tradicional. Eles são um novo tipo de trabalhador, que move parte da vida das grandes cidades. Recentemente, um deles foi agredido porque não subiu ao apartamento para entregar a comida. O cliente achou que ele tinha obrigação, o que não é verdade.

Existe algo que poderia ser feito também. Não pretendo que isso seja uma solução. Apenas uma proposta que deveria ser examinada no grupo de trabalho que o governo formou para tratar do tema. A maioria dos restaurantes cobra 10% por serviços. Quase todos fazem isso obrigatoriamente. Por que não determinar uma taxa de serviço? Garçons andam muito, mas num ambiente seguro. Entregadores enfrentam quilômetros, trânsito complicado, às vezes chuva forte.

Essa ideia não exime as empresas de apresentar propostas decentes de remuneração. Em último caso, poderia ser uma escolha do cliente. Seria uma maneira de contribuir para que os ganhos de entregadores, que só fazem cair nos últimos anos, chegassem a um patamar coerente com sua grande importância social.

Se houver algum movimento hoje, como estava programado, espero que tenha êxito. Será um pequeno avanço num país tão desigual.

 

3 comentários:

EdsonLuiz disse...

■Abaixo, destaquei fragmentos deste texto de Fernando Gabeira::

▪" Grandes empresas, como a Amazon, fizeram uma proposta de R$ 12 a hora para motociclistas e R$ 7 para ciclistas. É muito pouco. Lembro-me de ter trabalhado muitos anos na Suécia e ganhava por hora mais do que ganhariam por um dia de trabalho

▪" São trabalhadores essenciais, e não tem sentido que vivam com tanta precariedade.

▪ "Ocupei postos menos importantes na Suécia. Fui porteiro noturno de um hotel tranquilo, cortei grama em cemitério, mas o que mais admirava na sociedade escandinava era exatamente todos os trabalhos terem uma remuneração digna.

■Desanimado de todo com as coisas, estou me planejando para a possibilidade de deixar o Brasil.

Depois de ter atravessado dos estertores da ditadura (a ditadura ainda respirava e se debatia, mas nós sabíamos que ajudando a empurrar um pouco ela daria umas tossidas e cairia), onde fazia atividade politica semi-candestino ----se é que existe semiclandestinidade, mas esta era a definição que dávamos para a nossa condição à época-- até aqui, tive esperança e sensação de que os riscos valeram a pena quando veio o período Fernando Henrique, que abrangeu o momento em que FHC assumiu o Ministério da Fazenda no governo Itamar Franco até o fim do governo Lula1, que foi um periodo de reformas macro e microeconômicas que dariam chance ao Brasil.

=》Este período, que durou de 1993a2006, constituiu um período único para a economia e para a democracia no Brasil, e os resultados que surgiam com as reformas liberais davam esperança!

Mesmo com a covardia diária do PT e de Lula contra a politica, contra o exercício da boa politica, aquele era um Brasil iluminado pela democracia e que avançava socialmente e economicamente com as reformas que fazia, que é a única lanterna e caminho para o ser humano alcançar sua realização, e dignidade e justiça material são indissociáveus disso.

Desacreditei!

■Veio Lula2, Dilma1, Dilma/Temer2, Bolsonaro, e agora...

O lulismo e o bosonarismo, com seus fanatismos e ideias toscas, enterraram o Brasil em um grande buraco econômico e em brigalhada.

E cada lado, que soma uns 25% da sociedade, sabe que é intragável para o outro e que não consegue apaziguar o Brasil, além de não ter projeto de país nenhum a não ser fragmentar mais a sociedade e copiar o fracasso e os abusos dos modelos que defendem. Nos outros 50% da sociedade tem uns 10% que apreendem de forma adequada e consistente os valores e essenciaidades democráticas, mas não tem força para mudar a realidade porque o restante, 40%, é de pessoas completamente ocupadas em sobreviver à miséria, formando um lúpem que não pode contribuir, embora seja a parte que mais precisa de um Estado saudável e democrático e não de um Estado capturado por corruptos, incompetentes e apoiadores de ditaduras.

Essa gente, Lula e seus lulistas e Bolsonaro e seus bolsonaristas, tá de brincadeira com a democracia, com a economia, com os ricos, com os pobres, com os trabalhadores, com os empresários...

Se fosse só a corrupção grossa, que vai de relógio Cartier para Lula (e ele fica quietinho e xingando o outro de ladrão) e relógio Rolex para Bolsonaro até $Bilhões e $Bilhões e quem vira o bandido não é o ladrão, mas quem destampou o esgotoo. Mas não:: o problema, ainda muito maior que as toneladas de corrupção, é a concepção de sociedade e de economia que essa gente tem, que é a economia e a sociedade de Rodrigo Duterte, ex-presidente das Filipinas, e de Donald Tramp, ex-presidente dos EEUU, que é a escolha de Bolsonaro e seus bolsonaristas, ou a economia e a sociedade de Cuba e de Vladimir Putin, atual autocrata da Rússia, que é a escoha de Lula e seus lulistas.

Ou a economia e a sociedade da Venezuela, ou de El Salvador, ou da China, ou da Hungria...

▪Qual você escolhe?

EdsonLuiz disse...

■Eu não quero viver em um país que, tudo indica, está fazendo a escolha por uma coisa ou por outra, por Lula ou por Bolsonaro, com o fortalecimento de um alimentando o fortalecimento do outro, quando os dois deveriam estar presos e os relógios, os $Bilhões, que os dois roubam junto com o Centrão, recuperados.

Em relação ao que Gabeira escreveu, fui ver a relação entre o salário da garçonete (lá eles chamam "trabalhadores de mesa") e o de um juiz em Portugal::
▪No máximo 8 vezes, a diferença de salário entre a garçonete e o juiz, o que já é muito!

Mas aqui no Brasil o salário mínimo é R$1000 e poucos e o de um juiz é quanto mesmo?

E o de um ministro, que mesmo não entendendo porra nenhuma é pendurado no Conselho de alguma empresa estatal para sua renda se aproximar da renda dos corruptos que estes ministros sinistros protegem!

ADEMAR AMANCIO disse...

Cortador de grama de cemitério,uma atividade inusitada,principalmente pra quem tem cultura como o Gabeira.