O Globo
Candidato à Casa Rosada, populista de extrema
direita defende ideias que nem Paulo Guedes teria coragem de endossar
O cartum saiu na revista The New Yorker. Num
outdoor de campanha, um lobo de terno e gravata anuncia: “Eu vou comer vocês”.
Uma ovelha vê a propaganda e comenta, em tom de elogio: “Ele diz as coisas como
elas são!”.
O desenho de Paul Noth foi publicado em 2016,
meses antes da vitória de Donald Trump. Ironizava o fascínio de milhões de
eleitores por um candidato que parecia mais autêntico, mais irreverente, mais
direto do que os outros. Ainda que seu objetivo fosse devorá-los.
A fórmula do bufão impulsionou a extrema direita em diversos países. Foi replicada na Itália com Matteo Salvini, em El Salvador com Nayib Bukele, no Brasil com Jair Bolsonaro. A aposta da vez é Javier Milei, candidato a presidente da Argentina.
Vencedor das prévias de agosto, o populista
se apresenta como um porta-voz dos indignados. Promete desmontar o Estado e
vingar os cidadãos esquecidos pela “casta” — como ele se refere, com desprezo,
a todos os políticos tradicionais.
Milei se projetou como polemista em programas
populares de TV. Ganhou fama ao gritar com os colegas e encenar acessos de
fúria no ar. Eleito deputado, continuou a fazer jus ao apelido de El Loco.
Insultou adversários, xingou o papa Francisco, disse se aconselhar por
telepatia com um cachorro que morreu anos atrás.
A campanha de Milei opera sob a lógica do
espetáculo. Seus comícios são uma mistura de circo com show de rock. Num dia,
ele calça luvas de boxe ao som da trilha de “Rocky, um lutador”. Em outro,
exibe uma réplica de dólar com o próprio rosto estampado. Seu número mais
conhecido é erguer uma motosserra e prometer cortes drásticos na máquina
pública. Tudo sob medida para causar sensação e viralizar nas redes.
O deputado se declara “anarcocapitalista”. É
um radical a serviço do mercado. Diz que vai rifar as estatais, dolarizar a
economia, fechar e incendiar o Banco Central. Em nome do liberalismo, defende
ideias que nem Paulo Guedes teria coragem de endossar, como permitir o comércio
de órgãos e extinguir os programas sociais.
A exemplo de Bolsonaro, Milei promete liberar
as armas e acabar com o Ministério da Cultura. Seu lema é patear el
tablero, o equivalente local a chutar o balde. Num país atolado na
hiperinflação, é o suficiente para arrebatar um caminhão de votos.
O último debate entre os presidenciáveis ofereceu
uma síntese do estilo Milei. O deputado relativizou os crimes da ditadura
militar, engrossou com as duas concorrentes mulheres e disse que o país não
sairá da crise com “palavras bonitas e bons modos”. Em vez de detalhar
propostas, fez caretas e empilhou chavões contra a “casta”.
Na noite em que venceu as prévias, Milei foi
aclamado ao atacar os direitos trabalhistas e dizer que a ideia de justiça
social seria uma “aberração”. Como já se viu por aqui, o discurso não faz
sucesso apenas entre super-ricos. Também empolga legiões de precarizados,
desempregados e desalentados, que pensam não ter mais nada a perder sob o
sistema atual.
A Argentina vai às urnas no próximo domingo. O lobo conta com as ovelhas para chegar à Casa Rosada.
2 comentários:
Muito bom!
Cruzes,chega de louco na presidência.
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