Correio Braziliense
O conceito de guerra justa está em xeque em
razão dos sofrimentos impostos aos civis, sobretudo idosos, mulheres e
crianças, além de destruição de seus lares, hospitais e escolas
O Adeus às
Armas, de Ernest Hemingway, publicado em 1929, é um romance quase
autobiográfico, cujo protagonista é um americano que participa da Primeira
Guerra Mundial como voluntário no exército italiano. É uma história de amor
entre um soldado ferido na perna e uma enfermeira, que se conheceram no
hospital. O relacionamento se consolidou e resultou num filho do casal, mas o
soldado teve que voltar à guerra. Ao retornar, já estava exausto do conflito,
como a maioria dos seus companheiros. O herói deserta. A guerra se estendia por
tempo demais.
Esse tipo de situação fora comum no front da Primeira Guerra Mundial, entre soldados alemães e ingleses, que chegaram a se confraternizar no Natal e realizar animadas partidas de futebol. Com base no que ocorreu, o Estado-maior britânico desenvolveu o conceito de "sombra de futuro": os soldados procuram ganhar tempo, em ataques e retaliações quase que combinadas, à espera de que os políticos e os generais assinem um armistício. Isso acontecia entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza, até 7 de outubro passado, quando a milícia palestina realizou um inédito ataque terrorista a Israel, que matou 1.400 pessoas, das quais 828 civis e 31 crianças. Mais de 240 pessoas foram feitas reféns.
A retaliação de Israel ao Hamas na Palestina
é uma operação de cerco e aniquilamento na cidade de Gaza e seus arredores, com
bombardeios implacáveis, às vezes, indiscriminados, que deslocaram mais de um
milhão de palestinos do Norte para o Sul da região. Até o dia 6, segundo a BBC,
somavam 25, 4 mil palestinos feridos e 10 mil mortos, sendo 2,55 mil mulheres,
596 idosos e 4,1 mil crianças. Estão desaparecidos 2,5 mil palestinos, sendo
1,3 mil crianças, provavelmente soterradas nos bombardeios. Na Cisjordânia, 114
palestinos já foram mortos em ações do Exército de Israel. Mais de 200 mil
habitações foram destruídas, e há 1,5 milhão de desalojados, de uma população
de 2,2 milhões da Faixa de Gaza.
A doutrina da guerra justa (Bellum iustum ou jus ad bellum)
define em quais condições a guerra é uma ação moralmente aceitável. O conceito
foi cunhado por Agostinho de Hipona (354-430), inspirado em Cícero, e também
foi usado como justificativa para as Cruzadas. Além de Agostinho, Tomás de
Aquino (1225-1274) e Hugo Grócio (1583-1645), em O direito da guerra e da paz,
defenderam essa doutrina. A expressão guerra justa faz parte da cultura
jurídico-política do Ocidente. Na Roma Antiga, Cícero ensinou que havia bellum iustum quando os
romanos entravam em guerra contra uma nação estrangeira por eventuais danos
sofridos ou temidos.
O trauma da guerra
As Forças de Defesa de Israel (FDI), fundadas
em 1948, estão entre os exércitos mais experientes em batalhas no mundo, tendo
participado de seis grandes guerras. Suas responsabilidades são defender a
soberania e a integridade territorial do Estado de Israel, deter todos os
inimigos e coibir todas as formas de terrorismo que ameacem a vida diária. Em
tese, suas tarefas são a consolidação de acordos de paz, como os celebrados com
o Egito e a Jordânia; garantir a segurança na Cisjordânia em coordenação com a
Autoridade Palestina; liderar a guerra contra o terrorismo, dentro e além de
suas fronteiras; e manter a capacidade de dissuasão de ataques.
A estratégia militar de Israel é defensiva,
mas suas táticas são ofensivas. Como não possui profundidade territorial,
precisa tomar a iniciativa e, rapidamente, levar a batalha para o território do
inimigo. Embora em menor número do que os exércitos vizinhos, as FDI possuem
vantagem qualitativa, graças aos recursos e ao apoio estratégico que recebe dos
Estados Unidos, e os sistemas de armas avançadas de que dispõe, entre os quais
a bomba atômica, um segredo de polichinelo.
O efetivo regular do exército de Israel é
pequeno, porém muito operacional. Sua força reside na capacidade de mobilizar
homens e mulheres reservistas bem treinados, em todas as regiões do país. Todo
o seu poderio está sendo demonstrado nessa operação de cerco e aniquilamento do
Hamas, que já destruiu praticamente todo o norte da Faixa de Gaza. O conceito
de guerra justa está sendo posto em xeque em razão dos sofrimentos impostos aos
palestinos, sobretudo idosos, mulheres e crianças, além de destruição de seus
lares, hospitais e escolas. A ONU afirma que 88 funcionários da Agência das
Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente
(UNRWA) já foram mortos, com 18 trabalhadores da defesa civil. Até 5 de
novembro, também morreram 46 jornalistas nos ataques de Israel.
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin
Netanyahu, anunciou a ocupação da Faixa de Gaza pelo exército de Israel
"por tempo indeterminado". Entre o ódio e a vingança, há uma guerra
de narrativas sobre o que acontece em Gaza. Os refugiados palestinos têm seu
lugar de fala, assim como os soldados de Israel, que agora caminham sobre
escombros e entre milhares de cadáveres. Nos Estados Unidos, o chamado
transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) atingiu 800 mil veteranos do
Vietnã, 175.000 combatentes da Guerra do Golfo e outros 300 mil retornados do
Iraque e do Afeganistão. O trauma da guerra, como na obra de Hemingway, sempre
atinge os soldados.
2 comentários:
O colunista tem razão. Os CRIMES DE GUERRA cometidos neste conflito por Israel afetam inclusive seus próprios soldados, comandados por um EXTREMISTA SANGUINÁRIO, que aproveita para tentar ocultar sua INCOMPETÊNCIA em proteger os cidadãos israelenses e toda sua anterior política de ocupação ilegal de territórios palestinos, estimulando a expansão dos colonos israelenses sobre terras ocupadas pelos palestinos, sempre rejeitada e criticada pela ONU. Netanyahyu e seus ministros devem ser JULGADOS no Tribunal Penal Internacional por seus CRIMES DE GUERRA e por provocarem a morte de MILHARES DE CIVIS PALESTINOS que nada tinham a ver com os terroristas do Hamas.
Como afirmou o Secretário-geral da ONU, Gaza transformou-se em CEMITÉRIO DE CRIANÇAS PALESTINAS! Mais de 4 mil crianças palestinas foram ASSASSINADAS pelos ataques israelenses, para vingar as 31 crianças israelenses ASSASSINADAS pelo Hamas em 7/11. A quantidade de crianças palestinas mortas é MAIS DE de CEM VEZES maior que a quantidade de crianças israelenses mortas pelo Hamas! E Israel e seus diplomatas querem se apresentar como o BEM contra a barbárie... São tão terroristas quanto os membros do Hamas!
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