Valor Econômico
Os mercados financeiros são construídos para
reduzir a incerteza, mas aumentam a instabilidade da economia, especialmente
das decisões cruciais, como as de investir
Entre o Natal e o Réveillon multiplicaram-se
as críticas às previsões dos economistas, previsões congregadas no Relatório
Focus. Entre tantas recriminações, escolhi as observações de Marcos Augusto
Gonçalves, editor da Ilustríssima, caderno da “Folha de S. Paulo”: “Ainda em
março, as expectativas da maioria dos entendidos, não a simples opinião,
continuavam bastante negativas. E equivocadas. A mediana do boletim Focus, uma
consulta que o Banco Central faz ao oráculo de seus pares do mercado, apontava
para um crescimento do PIB de 0,84% até o fim do ano...”
Diante dos números divulgados, influentes
analistas, na confortável tarefa de prestigiar o boletim de bancos e
financeiras, afirmavam que seria isso mesmo e que não haveria motivo para
imaginar alguma coisa diferente. Sob Lula o crescimento não chegaria nem sequer
a 1%.
Sabemos hoje que o PIB vai fechar o ano com expansão de 3%.
Peço licença aos leitores para lançar algumas
considerações a respeito da incerteza, circunstância inarredável na tomada de
decisões na vida e, particularmente, nas economias monetário-financeiras
capitalistas.
Para Keynes, a incerteza radical não
corresponde a uma etapa nem é um atributo determinado por certa fase da
economia, mas, sim, o estado permanente sobre o qual repousam as decisões que
regem a economia: “Para falar com franqueza, temos de admitir que as bases de
nosso conhecimento para calcular o rendimento provável, nos próximos dez anos
ou mesmo cinco anos, de uma estrada de ferro, uma mina de cobre, uma fábrica de
tecidos, um produto farmacêutico patenteado, uma linha transatlântica de navios
ou um imóvel na City de Londres se reduzem a bem pouco e às vezes a nada”.
Diante da incerteza radical, os detentores de
riqueza são compelidos a tomar decisões apoiados em convenções a respeito das
perspectivas da economia. Keynes sugere que as decisões individuais dos agentes
só podem se apoiar no que eles imaginam que sejam as opiniões dos demais.
No capítulo XII da “Teoria Geral”, os
concursos de beleza promovidos pelos jornais servem de exemplo para descrever a
formação de convenções nos mercados de ativos. Os leitores são instados a
escolher os seis rostos mais bonitos entre uma centena de fotografias. O prêmio
será entregue àquela cuja escolha esteja mais próxima da média das opiniões.
Não se trata, portanto, de apontar o rosto mais bonito na opinião de cada um
dos participantes, mas, sim, de escolher o rosto que mais se aproxima da
opinião dos demais.
Keynes, desse modo, introduz na teoria
econômica as relações complexas entre Estrutura e Ação, entre papéis sociais e
sua execução pelos indivíduos convencidos de sua liberdade, racionalidade e
autodeterminação, mas, de fato, enredados nas engrenagens da acumulação
monetária. Keynes, na esteira de Freud, introduz as configurações subjetivas
produzidas pelas interações entre grupos sociais e seus indivíduos. Estão aí
implícitos os processos de individuação mediados pelo objetivo da produção
capitalista - a acumulação de riqueza monetária.
Nesse percurso, as decisões dos agentes
envolvidos nos mercados podem dar origem a situações nas quais a busca da
riqueza monetária revela-se um obstáculo para a economia alcançar o pleno
emprego. A âncora que sustenta precariamente as ariscas subjetividades
atormentadas pela incerteza está lançada, sim, nas estruturas sociais da
economia.
No livro “Capitalisme et Pulsion de Mort”,
Gilles Dostaler e Bernard Maris afirmam que Freud e Keynes não acreditam na
fábula da racionalidade individual, tão cara aos economistas: “O indivíduo está
imerso na multidão inquieta, frustrada, insaciável, sobre a qual pesa essa
imensa pressão cultural, esse movimento ilimitado da acumulação [...]”.
Keynes cuida da psicologia de massas que
infesta os mercados “organizados”, frequentemente açoitados por violentas
oscilações entre euforia e desilusão. Se, por um lado, esses mercados são
fundamentais para permitir que os agentes tomem as decisões a respeito da
aquisição de bens instrumentais e ativos financeiros, por outro lado, essas
decisões estão submetidas à instável avaliação dos mercados de riqueza.
Os mercados financeiros são construídos para
reduzir a incerteza, mas aumentam a instabilidade da economia, especialmente
das decisões cruciais, como as de investir, conforme Keynes advertia na “Teoria
Geral”.
Esse é o resultado inevitável dos mercados
que se organizam para alcançar a “liquidez”. Entre as máximas da finança
ortodoxa, nenhuma seguramente é mais antissocial do que o fetiche da liquidez.
Trata-se da doutrina segundo a qual é uma virtude positiva das instituições de
investimento concentrar seus recursos em valores líquidos [...]. [Essa
doutrina] esquece que os investimentos não podem ser líquidos para a comunidade
como um todo.
Em uma economia dotada de mercados
financeiros organizados, ou seja, na qual sejam generalizadas as relações
débito/crédito, o provimento de liquidez para agentes “investidores” depende da
existência de instituições dispostas a “criar” liquidez.
O sistema bancário “criador” de moeda -
incluído o Banco Central - desempenha também a função de “market maker”, ou
seja, “regulador” dos mercados de negociação de dívidas e direitos de
propriedade (ações). Esses mercados de avaliação da riqueza são particularmente
suscetíveis às súbitas alterações na predominância das opiniões entre altistas
e baixistas. Cabe ao sistema bancário reequilibrar as posições, mediante o
manejo da taxa de juros, que regula o acesso dos bancos privados ao provimento
“final” de liquidez, regulado pelo Banco Central.
Os detentores de riqueza sob a forma
monetária são obrigados a apostar - repito, apostar - que nenhum fenômeno
perturbador vai ocorrer, entre o momento em que tomam a decisão de empregar seu
dinheiro na contratação de fatores de produção e a recuperação, no futuro,
desse valor monetário acrescido. Tais decisões são tomadas por critérios de
ganho privado na suposição ilusória - assentada em frágeis convenções - de que
o futuro vai continuar reproduzindo o passado.
*Este artigo reapresenta algumas
considerações do livro “ O Tempo de Keynes nos Tempos do Capitalismo”
*Luiz Gonzaga Belluzzo é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e professor emérito da Universidade Federal de Goiás.
4 comentários:
Uma aula de economia e clareza! Perfeita!
Muito bom!
Uau,se Daniel fosse testemunha daria cadeia! Beluzzo aplaudido por Daniel é auto explicativo.
MAM
Belluzzo é desinformador profissional a serviço do PT e escumalha. Sardenberg, aqui mesmo, dia 30 de dezembro, explicou didaticamente como se dão as previsões.
Beluzzo é lixo; é Unicamp. Daniel é lixeiro do PT.
MAM
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