quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Maria Hermínia Tavares* - Aposta de alto risco

Folha de S. Paulo

Decisão de Lula não foi um passo inédito, nem resultado, sobretudo, da indignação com o drama palestino

O maior problema criado pelo apoio brasileiro à denúncia contra Israel, feita pela África do Sul na Corte Internacional de Justiça (CIJ) não é a adesão aberta à ideia controversa de que em Gaza ocorre um genocídio. Afinal, há espaço para discutir como designar o massacre de civis palestinos pelo Exército israelense, que sobrepassa o legítimo exercício do direito de defesa do país diante do selvagem ataque do Hamas, em 7/10.

A decisão do presidente Lula não foi um passo inédito, nem resultado, sobretudo, da indignação com o drama palestino. Outras tragédias humanitárias correm mundo —e o entorno do país— sem que ele julgasse necessário manifestar seu repúdio.

O apoio à iniciativa sul-africana se segue a outros gestos que denotam uma guinada mais ampla na política externa brasileira: parece indicar uma aposta para além de nossa tradicional preferência por um mundo multipolar, no qual a hegemonia dos Estados Unidos seja compensada pela existência de outros centros de poder.

Na realidade, há sinais de que o Palácio do Planalto e os conselheiros diplomáticos do seu atual titular possam estar pensando em como situar o país numa ordem internacional "pós-ocidental", como se designa o sistema que resultaria da decadência dos Estados Unidos; do surgimento de países intermediários na escala de poder como a Índia e outras nações do Leste Asiático; e, sobretudo da ascensão da China, para além da esfera econômica.

Só assim se explicariam os rapapés do presidente Lula ao autocrata russo Vladimir Putin, condenado por crimes de guerra pelo Tribunal Penal Internacional. Ou a prioridade dada aos Brics, que passaram a incluir países notórios por seus governos autoritários e, aos poucos, transformados em caudatários do projeto global de poder de Pequim. Ou ainda, o endosso à iniciativa de Pretória.

Se for essa a aposta que inspira a política externa de Lula-3, embute riscos óbvios para o país, no curto e no longo prazo.

*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.

 

3 comentários:

Anônimo disse...

Eu vejo as coisas um pouco mais graves do que isso::
■Como nós, povos de países emergentes e sem a força bélica necessária e cara, conseguiremos fuga das armadilhas de ditadores como Xi Jiping, Nicolás Maduro, Kim Jong-un, Vladimir Ptutin e algum que surgir na Índia mais parecido com Putin e não só ultra-nacionalista de direita como Narendra Modi, quando já estivermos encurralados pelos ditadores?

Vamos servir para esses ditadores nossa água, nosso território, nosso alimento e até nossa gente.

■■■Prefiro o mundo livre e de competição da democracia:: nele, se estamos errando pior para nós.
Mas sob a democracia não há uma ameaça de dominação à força pelos Estados Unidos ou pela Europa.

Daniel disse...

Há um repúdio mundial às bárbaras ações militares de Israel contra a população civil palestina em Gaza, e a ação específica da África do Sul contra isto no Tribunal de Haia.
Lula apenas apoiou esta última, baseado na posição grandemente majoritária das nações em votação similar na ONU e mantendo a posição brasileira desde o começo dos massacres israelenses contra CRIANÇAS E MULHERES palestinas, inclusive quando o Brasil comandou o Conselho de Segurança da ONU e o único voto dos EUA bloqueou a proposta brasileira que foi amplamente vencedora.

ADEMAR AMANCIO disse...

Pois é.