Folha de S. Paulo
É fundamental aceitar que conservadores
representam interesses legítimos
De tanto ouvir a objeção de que só sei
apontar o dedo para o comportamento da esquerda,
sem nunca indicar caminhos, resolvi mostrar que sou mais que um comentarista
rabugento. Tomei a liberdade de escrever cinco propostas de Ano-Novo para
esquerdistas e progressistas, começando hoje com essas duas abaixo.
Em primeiro lugar, é fundamental aceitar de
uma vez por todas que os conservadores não
apenas representam interesses legítimos presentes em sociedades pluralistas,
como também possuem uma legitimidade democrática tão válida quanto a de
qualquer outra posição política. Se na democracia, há lugar para a esquerda e
para progressistas, tem de haver lugar também para a direita e
para conservadores. É simples assim.
Ademais, conservadores constituem uma força
política consistente, que não dá sinais de desaparecimento ou redução em um
horizonte próximo. Antes, continuam a prosperar eleitoralmente, mantendo um
foco claro na conquista
de mandatos parlamentares.
Notadamente os de matriz evangélica popular, adotam uma estratégia eleitoral eficiente e de longo prazo, com uma base organizada, ampla capilaridade e presença em áreas onde outras forças políticas têm dificuldade de entrar, como as comunidades dominadas por facções. E sabem mobilizar e direcionar votos populares como só católicos e sindicalistas foram um dia capazes de fazer.
Além disso, a pressa, a raiva e a rivalidade
explícita dos identitários de esquerda funcionam como um estímulo formidável
para mobilizar eleitoralmente a massa conservadora. O pânico moral instigado
pelo medo que incutem os identitários faz com que critérios morais sejam postos
no topo das prioridades eleitorais de amplos estratos da população.
Obviamente, não há condições políticas reais
no horizonte para que progressistas estabeleçam sociedades à sua imagem e
semelhança. De modo que ou há um reconhecimento recíproco de que conservadores
e progressistas existem de fato e de direito e nenhum deles será eliminado, ou
se radicaliza o conflito.
Essa escalada já está produzindo resultados
evidentes, com conservadores se transformando em reacionários e alimentando
os extremismos
de direita, e com o declínio eleitoral da esquerda que privilegia suas
cruzadas morais identitárias em detrimento da conquista de mandatos.
Em segundo lugar, impõe-se a humildade da
escuta. Abandonar a autorreferência e se abster de expressões como "a
sociedade precisa entender que" torna-se fundamental. É a esquerda que
realmente "precisa entender" as pessoas reais. Em especial, é crucial
considerar as aspirações e reivindicações daqueles que recentemente optaram por
votar em candidatos conservadores, seja da direita ou da extrema direita.
Apesar da retórica envolvente sobre o povo,
os "de baixo" e as vítimas que a esquerda pretende representar, ela
está sempre ensinando, sem efetivamente ouvir ou prestar atenção. O ato de
ouvir não implica necessariamente em concordância, mas sim em uma séria
consideração do que está por trás dos discursos e das escolhas alheias.
Tomemos o tema do crime urbano para
ilustrar. Não comove ninguém, além dos coletivos militantes de esquerda, a
cartada de que os autores dos arrastões, por exemplo, são "gente de
favela", logo inimputáveis, dado que a violência estrutural teria vindo
antes do chute nas costelas do morador do bairro, derrubado e saqueado.
O argumento, inclusive, será considerado um
desrespeito ao morador real das favelas que rala todo dia e suporta a dureza da
vida sem se render ao crime. A cartada dos "corpos negros historicamente
subalternizados" tampouco comove além da militância identitária, pois todo
mundo viu os vídeos e todo mundo montou em sua cabeça um perfil do membro das
gangues que barbarizam a cidade.
Quem enfrenta a violência diariamente não
precisa que lhe digam quem temer; a experiência é a melhor professora. Mesmo
assim, a esquerda insiste em querer dar aulas às vítimas sobre a dor que elas
sentem.
A esquerda que tanto se identifica com as
vítimas deveria antes de tudo tentar entendê-las, genuinamente. Os seus medos,
suas urgências, seu desespero, suas demandas concretas.
E aceitar que nos limitados frascos da sua
sociologia não cabe tudo o que a vida comporta. Ideologia não acalma o medo de
ser assassinado ou agredido na porta de casa, sociologia não é nada diante do
murro na cara, da experiência de ser arrastada para trás do tapume, da revolta
diante do roubo
do celular necessário para o trabalho, ainda a ser pago em dez
prestações.
Mas ouvir de verdade cobra um preço do
narcisismo e da arrogância. A esquerda estará disposta a pagá-lo?
*Professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de "Crônica de uma Tragédia Anunciada"
7 comentários:
Perfeito!
WILSON GOMES!
■Incrível como alguém pode se negar a refletir sobre as colocações que faz Wilson Gomes.
A esta hora centenas e centenas de petistas já leram este artigo e, em vez de refletirem sobre o que trás Wilson Gomes, o estão xingando enraivecidamente pela Internet, inclusive seus colegas sociólogos.
■■E quando param para considerar as colocações do sociólogo Wilson é para usar de modo ardiloso para tirar proveito particular para suas madrastas "progressistas".
■Eu penso que Wilson é bem generoso em ainda tratar esse segmento anti-ocidental como progressista. Até porque há total incoerência em ser antiocidental, ameaçar os valores e princípios que constituem as essencialidades ocidentais, e ser um progressista.
■Como alguém é progressista e trama contra as democracias?
■Como alguém é progressista e se cumplicia aos interesses de ditaduras e autocratas?
■Como alguém é progressista e atua em conjunto com a imprensa eletrônica dos regimes da Rússia, China, Irã, Venezuela, Coreia do Norte...?
Onde está escrito 'madrasta', leia-se:: madrassa.
Excelente! Aguardo as 3 outras propostas!
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