O Globo
A crença de que o país precisa de mais
democracia, e não menos, para se tornar mais justo e próspero é de grande valor
Os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 não
produziram instabilidade democrática e tampouco contaram com o apoio da
sociedade. Uma ampla maioria os reprovou, mesmo entre os eleitores de
Bolsonaro. Há muito a celebrar, portanto, especialmente considerando que 72% da
população mundial vive em autocracias, segundo o V-Dem.
O Brasil conta com freios e contrapesos que
afastam o risco de rupturas democráticas. A tentativa de golpe, porém, não
fracassou apenas porque inexiste intenção golpista na cúpula militar ou porque
as instituições agiram prontamente para punir os envolvidos.
Um importante antídoto é a própria rejeição da sociedade a retrocessos; um ingrediente fundamental para o bom funcionamento das válvulas da democracia – o que certamente faltou em 1964.
Segundo pesquisa DataFolha recente, 74% dos
brasileiros acreditam que a democracia é sempre a melhor forma de governo. É
possível que o apoio efetivo seja ainda maior, já que parte dos entrevistados
talvez não saiba suficientemente o que é democracia. Entre os que estudaram até
o fundamental, apenas 61% a apoiam.
Vale ainda lembrar que a cassação dos
direitos políticos de Jair Bolsonaro não motivou mobilizações de rua.
Ministros do STF exaltam o papel da
instituição como defensora da democracia. Foi assim no discurso da presidente
na cerimônia de abertura de ano do Poder Judiciário em 2023. A ex-ministra Rosa
Weber afirmou que o espírito da democracia jamais será subvertido “porque o
sentimento de respeito pela ordem democrática continua e continuará a iluminar
as mentes e os corações dos juízes desta Corte Suprema”.
Não obstante o importante papel do Supremo e
sua reação coesa aos ataques golpistas, como apontam Felipe Recondo e Luiz
Weber, essa visão dos ministros não tem apelo na sociedade. O que há é uma
grande desconfiança em relação ao Supremo.
Pesquisa Genial/Quaest de novembro apontou
que apenas 17% aprovam a instituição. O 8 de janeiro não só não melhorou a
aprovação do STF, como houve protestos por conta da morte de Cleriston Pereira
da Cunha, preso após os atos golpistas.
A desconfiança não é gratuita. No mundo
jurídico, há muitos questionamentos às decisões da Corte. Mesmo entre seus
defensores há um reconhecimento de excessos. Oscar Vilhena Vieira, Rubens
Glezer e Ana Laura Barbosa avaliam que o STF reagiu de forma cada vez mais
contundente aos ataques de Bolsonaro e de seus apoiadores ao Estado democrático
de direito, adotando “posições polêmicas e pouco ortodoxas”. Foi o caso do
inquérito das “fake news” instaurado em março de 2019.
Na verdade, o desconforto social com as
falhas no funcionamento das instituições democráticas é amplo. Não à toa houve
apoio às manifestações do 8 de janeiro, mas sem invasão de prédios públicos.
Segundo pesquisa do PoderData de janeiro de 2023, 58% dos entrevistados as
aprovaram.
A cifra sobe para 67% entre os grupos mais
favorecidos, com ensino médio e com ensino superior; justamente aqueles que
lotam as ruas nos protestos.
Por esse aspecto, a politização da cerimônia
de um ano do 8 de janeiro, de lado a lado, foi um equívoco. Ela não traz
dividendos aos políticos engajados; essa foi uma lição dos muitos protestos –
nem mesmo a paralisação do 7 de setembro em 2021 fortaleceu a aprovação em
baixa de Bolsonaro.
Pior, acaba por alimentar a cisão da
sociedade, o que dificulta ainda mais o enfrentamento dos problemas que causam
o desconforto social. Celebrar a democracia, sim; politizar o tema, não.
Equívocos à parte, o fato é que o anseio da
sociedade pelo fortalecimento da democracia é bom sinal. Em um país marcado por
tantas crises econômicas e injustiças sociais – elementos que podem nutrir o
sentimento antidemocrático –, a crença de que o país precisa de mais
democracia, e não menos, para se tornar mais justo e próspero é de grande
valor.
O Brasil é considerado uma democracia
eleitoral, mais limitada em relação ao observado em nações desenvolvidas. Os
maiores problemas apontados pelo V-Dem são a falta de igualdade na participação
política e a baixa capacidade do processo deliberativo de afastar políticas
populistas ou que contrariam a coletividade. Não faltam iniciativas do
Legislativo e do Executivo que favorecem grupos organizados, em detrimento dos
demais.
Há um longo caminho adiante. Que nossas
lideranças reajam à altura.
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