sexta-feira, 31 de maio de 2024

Vera Magalhães - Lula precisa resgatar aliança que o elegeu

O Globo

O que de pior pode acontecer a um presidente é virar um pato manco tanto tempo antes do término do governo

As sucessivas derrotas do governo no Congresso em praticamente qualquer agenda que não tenha sido abraçada previamente por Arthur Lira mostra que a governabilidade de Lula hoje é refém de um grupo que não esteve com ele em 2022.

É urgente para o presidente sair das cordas, diminuir essa dependência e resgatar a aliança que o elegeu, mas, para isso, será preciso repactuar a relação com bons nacos desse grupo.

Lira começou sua aproximação com o governo ainda em 2022, na costura e votação da PEC da Transição, movido pelo pragmatismo. Eleitor de Jair Bolsonaro e beneficiário de seu governo, viu que precisava descartá-lo para construir sua reeleição ao comando da Câmara sem sobressaltos.

Entregou de volta um primeiro ano em que a pauta de Lula passou com relativa facilidade na Casa, só empacando justamente quando o governo insistia em não cumprir acordos ou em rever iniciativas de cunho mais liberal aprovadas nas legislaturas anteriores.

Essa tendência a dar murro em ponta de faca e querer ignorar as circunstâncias em que foi eleito para o terceiro mandato tem sido responsável em grande parte pelas agruras de Lula no Congresso e pela sangria nas pesquisas de popularidade —e, em breve, poderá também levar a sustos nos levantamentos de intenção de voto.

A tal frente ampla que se juntou a Lula um tanto a contragosto, que uniu a esquerda que já estava com ele a antigos aliados que se reaproximaram, sociais-democratas e liberais de fato (não os reacionários bolsonaristas que passaram a usurpar a nomenclatura), se esgarçou já no início do mandato, e Lula não fez mais acenos aos que chegaram a seu palanque porque não admitiam a vitória de Bolsonaro depois de todos os ataques à ciência, aos direitos humanos e à democracia.

Acontece que nem o ex-presidente sofreu uma derrota acachapante nem desidratou como se imaginava depois que sucessivas investigações revelaram ainda mais descalabros de sua passagem pela Presidência. Segue disposto a dar as cartas do jogo da sucessão e a pressionar o Congresso e o Judiciário por uma anistia para seus malfeitos.

Se Lula continuar ignorando que muitos partidos no governo, com cargos e lauta liberação de verbas, não só não lhe garantem a governabilidade no Legislativo, como fatalmente lhe darão as costas na campanha daqui a dois anos e meio, corre o risco de chegar a ela tendo de buscar os aliados de 2022 que até aqui não se dignou a ouvir para governar.

Fernando Haddad construiu em 2023 uma credibilidade que lhe permite ser o embaixador dessa costura enquanto é tempo. Onde está Simone Tebet, que, depois de já podada em suas pretensões logo na largada do governo, parece ter se conformado a uma atuação discreta, apagada, que em nada condiz com sua trajetória política até a candidatura presidencial? O mesmo pode-se dizer de Geraldo Alckmin, que, cioso de ser um estranho no ninho petista, se esconde do jogo e toca apenas a bola de lado.

Esse é o grupo que pode buscar as forças políticas e econômicas moderadas e ouvir o que o governo pode fazer para quebrar um ciclo de desconfiança que tem alimentado as hienas do Centrão a cobrar cada vez mais caro e a entregar cada vez menos, uma vez que já detêm um controle sem precedentes do Orçamento da União, os cargos que pleitearam e sentem que não precisam sequer sustentar o governo de que se alimentam.

A esquerda, petista ou aliada, precisa olhar para o placar das votações no Congresso e parar de cobrar de Lula posições que só o farão acumular derrotas. O que de pior pode acontecer a um presidente é virar um pato manco tanto tempo antes do término do governo.

2 comentários:

Mais um amador disse...

Ué, só deixar nas mãos da presidente do PT e da primeira-dama que as coisas se resolvem.

😏😏😏

ADEMAR AMANCIO disse...

Pois é,Vera!