domingo, 6 de outubro de 2024

Elio Gaspari - O Aerolula encrencou

O Globo

Na terça-feira soube-se que ao decolar da Cidade do México, o Aerolula encrencou e teve que voar em círculos durante quase cinco horas para queimar combustível, antes de voltar ao ponto de partida. Estavam a bordo o presidente, sua mulher, dois ministros e duas senadoras. No dia seguinte, a repórter Naira Trindade revelou o que aconteceu no ar.

Na subida, o piso do avião trepidou e passageiros que estavam nos assentos dos fundos perceberam que saía fumaça de uma turbina.

Lula saiu de sua poltrona para ver o que acontecia. Mandou voltar ao aeroporto e soube que seria necessário consumir o combustível, coisa para várias horas. Ao sacar seu telefone, outra surpresa, não havia conexão. Reclamou: “Até no Sucatinha o telefone funcionava.” Diante de uma espera de horas, sem telefone, restava a possibilidade de ver um filme. A TV também não tinha conexão.

Depois de dar 50 voltas sobre a Cidade do México, o Aerolula pousou e a comitiva embarcou em um avião reserva da Presidência. Não tinha conexão com a internet. Lula aborreceu-se:

“Qualquer avião mequetrefe fala (ao telefone), não tenho um satélite nessa po**a. A gente não pode passar por isso”.

Dias depois, ele revelou ter temido que o avião caísse e esperou por um milagre.

Comprado em 2004, o Airbus europeu está na metade de seu ciclo de vida. Desde os primeiros meses de seu terceiro mandato, Lula quer um novo avião. A ideia seria comprar uma aeronave com mais autonomia, mais espaço e chuveiro. Coisa de R$ 400 milhões.

Numa trapaça da sorte, dias antes da encrenca com o Aerolula, o presidente e seu vice assinaram um artigo louvando o programa Nova Indústria Brasil:

“Produzimos aviões, máquinas agrícolas, vacinas e diversos medicamentos. E hoje estamos atuando ativamente para reverter a chamada ‘desindustrialização precoce’, tratada por alguns como um problema crônico e insolúvel da nossa economia.”

O Brasil produz aviões há décadas, mas em 2004 o Aerolula foi comprado na Europa.

Deu-se então um episódio que explica o fenômeno solúvel da desindustrialização. Quando o presidente quis comprar um avião com autonomia para voar pelo mundo, a Embraer informou à comissão que tratava do assunto, que a empresa tinha planos para fabricar “uma aeronave para o transporte de autoridades (...) que, com certeza, cumprirá os requisitos ora em consideração pelo Comando da Aeronáutica.”

Meses depois, em 2004, quando fechou-se a compra do Airbus, a mesma Embraer informou:

“A Embraer esclarece (...) que não tem planos para dispor de aeronave desta categoria em horizonte inferior a pelo menos cinco anos”.

Caso raro de empresa que agradava ao palácio, favorecendo a concorrência.

Em 2004, a participação da indústria de transformação no PIB brasileiro era de 19%. Vinte anos depois, caiu para 11%.

Voto útil

O voto útil existe, mas é impossível defini-lo. Mesmo assim, um teste permite identificá-lo.

Seja qual for o candidato que poderá recebê-lo. O voto útil é a melhor opção para todos os eleitores certos de que, na hora de apertar o botão da urna, darão um voto inútil.

Boulos, Marçal e Doria

No debate da TV Globo, Guilherme Boulos e Pablo Marçal acusaram novamente o prefeito Ricardo Nunes de ter ligações com o ex-governador João Doria.

Tiros n’água. Doria foi um prefeito pedestre de São Paulo, elegeu-se governador e passou bem pelo mandato. Mais que tudo, ele é um exemplo de quem deixa a política e volta para a iniciativa privada sem azucrinar a vida dos outros.

Sair bem da política é mais difícil do que entrar. O economista Paulo Guedes, por exemplo, entrou mal e saiu bem.

Boas notícias

O Censo da Educação mostrou que o Brasil está prestes a bater a marca dos 10 milhões de jovens nas universidades. Como os dados são de 2023, é possível que isso já tenha acontecido.

O mesmo Censo revelou que 51% dos alunos que entraram nas universidades graças às cotas, concluíram os cursos. Entre os não cotistas, esse desempenho ficou em 41%.

Além da simples estatística, há aí uma lição política, indicativa do grau de demofobia incrustado na vida nacional.

Nos últimos anos do século passado, quando se discutia a lei das cotas, muita gente boa, inclusive professores, era contra a ideia, por motivos supostamente pedagógicos.

As cotas comprometeriam a qualidade dos currículos, pois os cotistas não seriam capazes de acompanhar as aulas. Além disso, muitos deles acabariam deixando os cursos.

Era apenas a velha demofobia. Todos os argumentos contra as cotas revelaram-se errados.

Na segunda metade do século XIX, argumentava-se que os escravizados não estavam preparados para a Lei do Ventre Livre, nem para a alforria dos sexagenários, muito menos para a abolição.

Israel x Irã

Não custa lembrar que, na hipótese de uma guerra entre o Irã e Israel, Benjamin Netanyahu e os militares que o cercam têm um arsenal de bombas atômicas.

David Ben-Gurion (1886-1973), o primeiro presidente de Israel, começou a recrutar cientistas em abril de 1948, antes mesmo da criação do Estado judeu.

Autoridade Climática

A criação da Autoridade Climática, uma promessa de campanha de Lula, ressuscitada há um mês, subiu no telhado e ficará para 2025.

Confirma-se um ensinamento de Chagas Freitas. Senhor da política do Rio de Janeiro durante a ditadura e governador do Estado de 1979 a 1983:

Você pode demolir a Avenida Rio Branco, mas se para isso tiver que extinguir um cargo em comissão, a tarefa será impossível.

Cid Moreira

Foi-se Cid Moreira. Para lembrá-lo, basta reproduzir uma “Apreciação Semanal”, do Serviço Nacional de Informações de outubro de 1975, que tratava da morte do jornalista Vladimir Herzog:

“1) Noticiários da TV Globo

A atitude formal assumida pelos apresentadores de televisão, quando da leitura de Notas Oficiais, durante os telejornais, coloca o espectador, não raras vezes, confuso ou pelo menos esvazia o conteúdo e o alcance pretendidos com o esclarecimento oficial.

Tal fato pôde ser observado no contraste entre a ‘ênfase’ dada pelo apresentador Cid Moreira, da TV Globo (Jornal Nacional), quando da censura à novela ‘Roque Santeiro’ e a ‘formalidade’ da réplica, no dia seguinte, além, naturalmente, das explicações pouco convincentes.

(...)

A Nota referente ao ‘affaire’ Herzog, lida no ‘Jornal Nacional’, de 29 de outubro de 1975, por aquele mesmo apresentador, além de merecer restrições quanto à leitura, provocou, nos telespectadores, indagações e dúvidas, pela falta de expressão do intérprete, que não citou o nome do suicida.

(...)

Tais atitudes evidenciam a deliberada intenção de ‘esvaziar’ os pronunciamentos oficiais, quer pela falta de expressão dos apresentadores, quer pela inadequada exploração de imagens dos focalizados, durante uma entrevista ou em reportagens.

(...)

Assim, admite-se que, a persistir tais atitudes, possivelmente, o grande público seja atingido com ideias e conclusões divorciadas da realidade.”

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