O Globo
Há inúmeros, incontáveis, exemplos de
políticos impunes ao longo do tempo, mesmo praticando todo tipo de delito
Em outubro de 2020, o senador Chico
Rodrigues, então vice-líder do governo, foi flagrado com R$ 33 mil entre as
nádegas. Na época, o fato grotesco, de óbvia conotação delituosa, fez com que
um dono de lanchonete de Brasília colocasse placa em seu estabelecimento
avisando que aceitaria pagamentos em dinheiro, se provenientes da carteira dos
clientes.
Certamente, muitos devem se perguntar o que se passou com tal político, diante do dever de decoro parlamentar e da Lei de Improbidade, ainda que esmagada pela Lei 14.230/21. Chico Rodrigues não só jamais foi punido, como acaba de ser eleito para integrar a Mesa Diretora do Senado da República, uma espécie de prêmio pelos bons serviços à pátria.
Dou o exemplo desse senador, mas há inúmeros,
incontáveis, outros exemplos de políticos que ficaram impunes ao longo do
tempo, mesmo praticando todo tipo de delito que se possa imaginar. No mesmo
Senado onde Chico Rodrigues hoje integra a Mesa Diretora, há dias o país pôde
assistir estarrecido a cenas de verdadeira selvageria política, atos
concatenados atentatórios à civilidade contra uma mulher que dedicou toda a
vida à causa ambiental.
Ninguém tem obviamente obrigação de concordar
com todos os pontos de vista da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva,
mas inquestionavelmente, como toda e qualquer pessoa, ela tem o direito de
contar com respeito a sua dignidade como ser humano. O que se viu em recente
audiência no Senado, a que a ministra fora convidada a participar, foi um
espetáculo dantesco, tenebroso e articulado, com o fim deliberado de humilhá-la
publicamente perante a nação.
O que ocorreu ali não foi debate ou momento
de divergência. Houve açoite, uma ignomínia, um espancamento verbal até sua
morte simbólica por meio das mais duras e implacáveis palavras, sem lhe ser
assegurado o direito a reagir. Ela foi ali colocada com o objetivo de ser
trucidada e esmagada, sem um fiapo sequer de piedade ou civilidade. Assistiu-se
ali a uma aula magna de autoritarismo misógino ministrada por lobos famintos
insaciáveis.
Naquele mesmo Congresso, na assim chamada
Casa Baixa, algumas semanas antes, em debates acalorados, discutiu-se a
cassação do mandato de um dos mais destemidos e aguerridos deputados federais
da Câmara, do PSOL do
Rio de Janeiro, por ter cometido ato agressivo, mas, registre-se, depois de
reiteradas e injustas provocações, em defesa da honra e da dignidade de sua
mãe.
Glauber Braga notabilizou-se
em sua trajetória política por ter tido a coragem de se posicionar com firmeza
e de denunciar vigorosamente no plenário da Câmara reiterados episódios
relacionados ao orçamento secreto, cujo bolo cresceu 25.100% em 11 anos,
enquanto o salário mínimo aumentou no mesmo período 109% — atitudes que
obviamente causaram desagrado aos donos do poder, especialmente a muitos dos
beneficiários do esquema.
Nunca é demais lembrar que, nas últimas
eleições, nos cem municípios mais beneficiados por emendas Pix, o índice de
reeleição de prefeitos foi de 93% — o que evidencia a razão da resistência
titânica do Congresso à rastreabilidade determinada pelo STF,
com base na Constituição, em relação aos recursos do Orçamento púbico, a partir
de postulação em ações constitucionais.
Diante desses três episódios, vale refletir
sobre o nível de degradação da ética na política, nos dias de hoje. Algum ser
humano se prestaria a defender as atitudes ignominiosas daqueles senadores em
relação à ministra Marina Silva? É aceitável imaginar esse tipo de hostilidade
por discordar politicamente de suas concepções? Onde fica o respeito à
divergência democrática? Se pretendem cassar o destemido Glauber Braga, assumam
que o farão por vingança por ele por ter sido um dos únicos a ter a coragem de
denunciar o orçamento secreto. Ainda existe ética na política no Brasil?
*Roberto Livianu, procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo, é doutor em Direito Penal pela USP, idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção e integrante da Academia Paulista de Letras Jurídicas
Nenhum comentário:
Postar um comentário