sexta-feira, 22 de maio de 2009

Haneke faz ensaio sobre a gênese do terrorismo

Silvana Arantes
Enviada Especial a Cannes
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / Ilustrada

Em Cannes, diretor diz que tema de "The White Ribbon" não se aplica só ao nazismo

Filme exibido ontem na disputa pela Palma de Ouro aborda violência e abusos em vilarejo alemão antes da Primeira Guerra Mundial

Na reta final da disputa pela Palma de Ouro do 62º Festival de Cannes, o diretor austríaco Michael Haneke fez ontem uma retumbante entrada na competição, com "The White Ribbon" (a fita branca).

Além de dirigir, Haneke roteiriza o longa, que foi rodado em preto e branco e tem duas horas e meia de duração.

A história gira em torno de uma comunidade protestante de um vilarejo na Alemanha, pouco antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial.O uso de uma fita branca é imposto pelo pastor da região aos seus filhos adolescentes, como símbolo do ideal de manter, na vida adulta, a pureza e a ingenuidade da infância.

Pureza e ingenuidade, no entanto, não são uma constante no cotidiano dos moradores, sacudido por uma série de acontecimentos violentos.

A despeito do rigor e da severidade de princípios dos líderes adultos do povoado (o barão, o professor, o médico e o pastor), até mesmo as crianças são envolvidas nas agressões, de caráter moral e sexual.

Haneke definiu o filme como um ensaio sobre o surgimento "das diversas formas de terrorismo", a partir da premissa de que, "quando se erige um absoluto como princípio, ele acaba se tornando desumano".

O diretor disse que não gostaria que "The White Ribbon" fosse associado pelo público só ao nazismo e à história alemã, já que o tema "se aplica a todas as sociedades e fanatismos, seja de direita, seja de esquerda".

No filme, os personagens se inquietam com a possibilidade de que os acontecimentos trágicos que os atingem sejam uma punição aos seus atos pecaminosos. Haneke contou que um dos títulos que ele considerou dar ao filme foi "A Mão Direita de Deus".

"Tendo crescido num ambiente judaico-cristão, é impossível não ter noção da culpa. Isso não é algo que eu tenha inventado", disse ele.

A opção pelo preto e branco, segundo o diretor, corresponde ao fato de que "as imagens do período, toda a iconografia do final do século 19 e início do século 20 é em preto e branco".

Narrativa contida

Chama a atenção em "The White Ribbon" a narrativa rigorosa e contida adotada por Haneke, em contraste com suas obras marcadas pela reflexão sobre a construção da imagem ("Caché") e pela representação acentuada da violência ("Violência Gratuita").

"Eu sempre procuro encontrar uma equação adequada [da mise-en-scène] ao tema que é representado", afirmou ele.

A seleção das crianças que atuam no longa consumiu seis meses e 7.000 testes. "Era muito importante encontrar crianças que correspondessem fisicamente às imagens que conhecemos do período", disse Haneke. "Mas, embora a aparência física seja importante, obviamente o fundamental é o talento", ponderou.

O desempenho do elenco de "The White Ribbon" é um entre seus muitos pontos fortes. Por ser considerado amigo da atriz Isabelle Huppert - que ele dirigiu em "A Professora de Piano"- e por ter apresentado um filme relevante na competição, Haneke é apontado por numerosos jornalistas que cobrem este Festival de Cannes como favorito à Palma de Ouro.

A decisão do júri presidido por Huppert será conhecida neste domingo, quando ocorre a entrega dos prêmios.

Ontem, durante a entrevista coletiva de Haneke, um jornalista lhe perguntou se ele já se sente com o prêmio nas mãos. Sacolejando a cabeça, o cineasta respondeu apenas: "Você quer me matar".

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