Carlos Heli de Almeida
Cannes
DEU NO JORNAL DO BRASIL / Caderno B
‘A faixa branca’, sobre os meses que precederam a Primeira Guerra, é aplaudido em Cannes
O Festival de Cannes conheceu ontem o mais sério candidato à Palma de Ouro de sua 62ª edição. O drama Das weisse band (A faixa branca), do alemão naturalizado austríaco Michael Haneke (A professora de piano, de 2001), foi exibido em sessão antecipada para a imprensa na noite de quinta-feira para uma plateia fascinada e aturdida com quase três horas de rigor plástico e narrativo. Rodado em tons de preto-e-branco deslumbrantes, o filme descreve o cotidiano dos moradores de uma minúscula vila do interior do país ao longo dos meses que precederam a Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Escrita pelo próprio Haneke, cineasta que ganhou reputação internacional como autor de elaboradas representações da violência humana (Código desconhecido, O vídeo de Benny), o filme acompanha a escalada de autodestruição de uma comunidade protestante, eventualmente abortada pela eclosão do conflito mundial. É narrado em tom de crescente mistério e interpretado de forma impecável por adultos e – mais surpreendente ainda – pelo enorme elenco que encarna crianças e adolescentes.
"Não é sobre fascismo"
Resta saber se o fato de Isabelle Huppert, presidente do júri deste ano, ter trabalhado com Heneke em A professora de piano, com o qual ganhou o prêmio de Melhor Atriz, compromete a vitória do diretor.
Cannes
DEU NO JORNAL DO BRASIL / Caderno B
‘A faixa branca’, sobre os meses que precederam a Primeira Guerra, é aplaudido em Cannes
O Festival de Cannes conheceu ontem o mais sério candidato à Palma de Ouro de sua 62ª edição. O drama Das weisse band (A faixa branca), do alemão naturalizado austríaco Michael Haneke (A professora de piano, de 2001), foi exibido em sessão antecipada para a imprensa na noite de quinta-feira para uma plateia fascinada e aturdida com quase três horas de rigor plástico e narrativo. Rodado em tons de preto-e-branco deslumbrantes, o filme descreve o cotidiano dos moradores de uma minúscula vila do interior do país ao longo dos meses que precederam a Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Escrita pelo próprio Haneke, cineasta que ganhou reputação internacional como autor de elaboradas representações da violência humana (Código desconhecido, O vídeo de Benny), o filme acompanha a escalada de autodestruição de uma comunidade protestante, eventualmente abortada pela eclosão do conflito mundial. É narrado em tom de crescente mistério e interpretado de forma impecável por adultos e – mais surpreendente ainda – pelo enorme elenco que encarna crianças e adolescentes.
"Não é sobre fascismo"
Resta saber se o fato de Isabelle Huppert, presidente do júri deste ano, ter trabalhado com Heneke em A professora de piano, com o qual ganhou o prêmio de Melhor Atriz, compromete a vitória do diretor.
Das weisse band abre com um grave acidente de cavalo envolvendo o médico da cidade. É o início de uma série de incidentes estranhos envolvendo as principais famílias da região – todas numerosas – que inclui a de um severo pastor, a de um rico barão e a de seu capataz. Aos poucos, o espectador é apresentado a todos esses núcleos familiares da vila que, até então, viviam harmoniosamente entre si. O mais conservador é justamente o do pastor protestante, que impõe regime de restrições e punições estarrecedoras aos filhos. Um deles, suspeito de práticas masturbatórias, é obrigado a dormir atado à cama.
Os filhos faltosos do pastor passam a usar uma faixa branca – que simboliza pureza, no caso a falta dela – no braço, até que o pecado seja satisfatoriamente perdoado.
– Essa vila é uma espécie de microcosmo de uma sociedade que desapareceu depois da Primeira Guerra. A ideia era criar um grupo de crianças e jovens sobre o qual valores absolutos foram impostos. Quando impostos, princípios absolutistas tornam-se desumanos, e estes se transformam em terrorismo – explicou Haneke na coletiva de imprensa do filme. – Das weisse band é, portanto, não um filme sobre fascismo, mas sobre a origem de todo o tipo de terrorismo, que é um problema geral.
A história é narrada por um professor da vila, como se, no futuro, se esforçasse para lembrar sobre os fatos que o levaram a deixar a comunidade. A estonteante fotografia em preto-e-branco é de Christian Berger, que trabalhou em quase todos os filmes do diretor.
– Optei pelo p&b por várias razões. A primeira delas é que toda a iconografia referente ao período em que se passa a história, o início do século 20, é em preto-e-branco. Segundo, adoro p&b e, sempre que posso, tento tirar vantagem dele. Terceiro, eu buscava evitar o naturalismo nesse filme, e encontrei no preto-e-branco a voz narrativa que procurava, um certo distanciamento criativo – justificou o diretor.
O outro filme do dia, À l’origine, de Xavier Gainnoli, terceiro concorrente francês, mereceu aplausos educados, embora não tenha agradado à maioria. Livremente inspirados em acontecimentos reais, recria a história de um ex-detento que se passa por um representante de uma milionária empreiteira e, com a ajuda de uma comunidade do Norte da França abalada pelo desemprego, retoma o projeto de construção de uma rodovia, abandonada anos atrás por pressões de ambientalistas.
Empreiteiro de mentira
A trama refaz o percurso de Paul (François Cluzet), vigarista que sai da prisão e aplica golpes para sobreviver. Depois de uma fracassada tentativa de reconciliação com a ex-mulher, cruza o caminho de pessoas interessadas em concluir a obra milionária, que traria dividendos. Paul assume a identidade de um empreiteiro e lidera a empreitada, mas o plano ganha dimensões sem controle, mudando a vida de todos os envolvidos – inclusive a do protagonista.
– O personagem ganha a confiança das pessoas e, num determinado momento, ele se sente responsável por elas, não quer decepcioná-las – diz o diretor, que esteve em Cannes em 2007 com Quando estou amando. – A perspectiva de alguém que assume a responsabilidade sobre as pessoas que acreditam nele me deixou bastante curioso. São valores que deveriam ser preservados por todos aqueles que dependem da confiança dos outros, como os políticos.
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