DEU NA FOLHA DE S. PAULO
A crise na Grécia teve o efeito positivo de chamar a atenção do mundo rico para a necessidade de corrigir rumos
A DIFICULDADE da Grécia para administrar sua dívida pública continua a ser um dos temas dominantes nos mercados financeiros. Embora as especulações sobre uma possível situação de insolvência tenham se reduzido, o nervosismo associado a uma crise no seio da poderosa União Europeia continua a ser um fator de instabilidade no mundo desenvolvido. Como resultado, o euro flutua como se fosse uma moeda emergente, e não mais como uma alternativa ao dólar no sistema financeiro internacional.
A Grécia, com a relação dívida sobre PIB de 130%, é certamente uma situação-limite dentro do espaço europeu. Mas a verdade é que a deterioração fiscal por conta da crise é hoje comum a todos os membros da UE. Mesmo a comportadíssima Alemanha deve ter neste ano um deficit fiscal de mais de 6% do PIB, com sua dívida pública tocando os 80% do PIB no fim de 2010.
Mas todos sabem que a sociedade alemã tem uma tradição de aceitar -quando se faz necessário- um ajuste fiscal de grandes proporções, como aconteceu nos anos que se seguiram ao processo de reunificação do país. Entretanto essa não é a tradição dos chamados países mediterrâneos da UE, como Espanha, Itália e Grécia. Entre os chamados Piigs, apenas a Irlanda, que enfrenta uma situação fiscal tão grave como a grega, vem dando mostras de aceitar os sacrifícios necessários para preservar o desenvolvimento econômico atingido nos anos anteriores à crise.
Além dessa diferença de comportamento social, outro fator diferencia os Piigs das nações mais avançadas na Europa. O esforço fiscal necessário para voltar à situação de endividamento público que prevalecia antes da crise em um caso e no outro tem dimensão completamente distinta. Tomemos os dois casos-limites, que são Alemanha e Grécia. O FMI fez um cálculo do esforço fiscal para que isso venha a ocorrer entre 2010 e 2020 nesses dois países.
No caso alemão, será preciso gerar -entre aumento de impostos e corte de despesas- um aperto fiscal de 4,4% do PIB. No caso da Grécia, esse esforço terá de ser superior a 15% do PIB nesse mesmo período de dez anos. Parece-me que nem na época heroica de Ulisses isso teria sido possível. Mas posso estar errado.
O estudo do FMI traz dados muito interessantes sobre o ajuste necessário para uma situação fiscal mais estável no Primeiro Mundo. O que mais chama a atenção é o número relativo aos Estados Unidos, a maior economia do mundo. O aperto necessário -despesas menores e impostos maiores- é de 10,6% do PIB, número superior ao da Espanha, que está na infame lista dos Piigs. Outro fato que chama a atenção é o número associado à normalização fiscal do Japão: 13,5% do PIB, inferior apenas ao valor calculado para a Grécia.Normalmente se associa um presente de grego a algo ruim. Mas agora uma série de analistas está defendendo que -dessa vez- o presente fiscal grego deve ser bem-vindo. Isso porque as dificuldades no pais de Sócrates tiveram o efeito positivo de chamar a atenção dos governos e das sociedades no mundo mais rico para a necessidade de uma correção de rumo.
A dimensão dos ajustes é enorme, e o esforço será longo. É plausível que os mercados tenham paciência no caso dos EUA, mas os países mais frágeis permanecerão reféns dos especuladores globais. Vamos conviver com as incertezas de hoje por muito tempo.
Luiz Carlos Mendonça De Barros , 67, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).
A crise na Grécia teve o efeito positivo de chamar a atenção do mundo rico para a necessidade de corrigir rumos
A DIFICULDADE da Grécia para administrar sua dívida pública continua a ser um dos temas dominantes nos mercados financeiros. Embora as especulações sobre uma possível situação de insolvência tenham se reduzido, o nervosismo associado a uma crise no seio da poderosa União Europeia continua a ser um fator de instabilidade no mundo desenvolvido. Como resultado, o euro flutua como se fosse uma moeda emergente, e não mais como uma alternativa ao dólar no sistema financeiro internacional.
A Grécia, com a relação dívida sobre PIB de 130%, é certamente uma situação-limite dentro do espaço europeu. Mas a verdade é que a deterioração fiscal por conta da crise é hoje comum a todos os membros da UE. Mesmo a comportadíssima Alemanha deve ter neste ano um deficit fiscal de mais de 6% do PIB, com sua dívida pública tocando os 80% do PIB no fim de 2010.
Mas todos sabem que a sociedade alemã tem uma tradição de aceitar -quando se faz necessário- um ajuste fiscal de grandes proporções, como aconteceu nos anos que se seguiram ao processo de reunificação do país. Entretanto essa não é a tradição dos chamados países mediterrâneos da UE, como Espanha, Itália e Grécia. Entre os chamados Piigs, apenas a Irlanda, que enfrenta uma situação fiscal tão grave como a grega, vem dando mostras de aceitar os sacrifícios necessários para preservar o desenvolvimento econômico atingido nos anos anteriores à crise.
Além dessa diferença de comportamento social, outro fator diferencia os Piigs das nações mais avançadas na Europa. O esforço fiscal necessário para voltar à situação de endividamento público que prevalecia antes da crise em um caso e no outro tem dimensão completamente distinta. Tomemos os dois casos-limites, que são Alemanha e Grécia. O FMI fez um cálculo do esforço fiscal para que isso venha a ocorrer entre 2010 e 2020 nesses dois países.
No caso alemão, será preciso gerar -entre aumento de impostos e corte de despesas- um aperto fiscal de 4,4% do PIB. No caso da Grécia, esse esforço terá de ser superior a 15% do PIB nesse mesmo período de dez anos. Parece-me que nem na época heroica de Ulisses isso teria sido possível. Mas posso estar errado.
O estudo do FMI traz dados muito interessantes sobre o ajuste necessário para uma situação fiscal mais estável no Primeiro Mundo. O que mais chama a atenção é o número relativo aos Estados Unidos, a maior economia do mundo. O aperto necessário -despesas menores e impostos maiores- é de 10,6% do PIB, número superior ao da Espanha, que está na infame lista dos Piigs. Outro fato que chama a atenção é o número associado à normalização fiscal do Japão: 13,5% do PIB, inferior apenas ao valor calculado para a Grécia.Normalmente se associa um presente de grego a algo ruim. Mas agora uma série de analistas está defendendo que -dessa vez- o presente fiscal grego deve ser bem-vindo. Isso porque as dificuldades no pais de Sócrates tiveram o efeito positivo de chamar a atenção dos governos e das sociedades no mundo mais rico para a necessidade de uma correção de rumo.
A dimensão dos ajustes é enorme, e o esforço será longo. É plausível que os mercados tenham paciência no caso dos EUA, mas os países mais frágeis permanecerão reféns dos especuladores globais. Vamos conviver com as incertezas de hoje por muito tempo.
Luiz Carlos Mendonça De Barros , 67, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).
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