No
maior e mais importante processo da história do Supremo Tribunal Federal, o
ministro Joaquim Barbosa sorri ao lado de quatro dos cinco colegas que o
acompanharam na condenação dos petistas José Dirceu, José Genoino, Delúbio
Soares e mais sete réus por formação de quadrilha. Por 6 votos a 4, a decisão
do STF chancela a principal tese da denúncia apresentada pelo Ministério
Público Federal: a de que um esquema criminoso chefiado por Dirceu, à época o
mais poderoso ministro de Lula, desviou dinheiro do erário para distribuir a
aliados do governo
.
A
quadrilha de Dirceu
Na análise do último
capítulo da Ação Penal 470, STF conclui que existia um grupo criminoso, com 10
integrantes, comandado pelo ex-ministro da Casa Civil nos primeiros anos do
governo Lula
Diego Abreu, Helena Mader,
Ana Maria Campos
O Supremo Tribunal
Federal (STF) concluiu ontem que, durante dois anos e meio, no primeiro mandato
de Luiz Inácio Lula da Silva, uma quadrilha foi comandada no Palácio do
Planalto, coração do governo. O grupo criminoso agiu sob o comando do então
todo-poderoso ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, e tinha como
integrantes o presidente do PT à época, José Genoino, o hoje ex-tesoureiro do
partido Delúbio Soares, o empresário Marcos Valério e outras seis pessoas.
A "sociedade de
delinquentes", como denominou o decano do STF, ministro Celso de Mello,
agiu entre janeiro de 2003 e junho de 2005 para desviar recursos públicos e
angariar dinheiro com o objetivo de comprar apoio político para o governo.
Diante desse entendimento, a Corte condenou ontem 10 pessoas por formação de
quadrilha. A decisão do STF chancela uma das principais — e mais polêmicas —
teses da Procuradoria Geral da República: a de que José Dirceu era o
"líder da quadrilha do mensalão". Esse delito prevê pena de um a três
anos de prisão. Se a punição for menor do que dois anos de cadeia, o crime
estará prescrito.
A maioria dos
ministros entendeu que os réus dos núcleos político, operacional e financeiro
se uniram em um grupo voltado para cometer crimes. "Restou incontroverso
que os três núcleos se uniram para a consecução de um projeto delinquencial.
Todos sabiam o que estavam fazendo e foram condenados por isso", afirmou o
ministro Luiz Fux.
O decano Celso de
Mello disse nunca antes ter visto um fato em que o crime de quadrilha estivesse
tão bem caracterizado. Segundo ele, os integrantes do bando agiram "nos
subterrâneos do poder e à sombra do Estado", com o objetivo de
"vulnerar, transgredir e lesionar a paz pública".
Celso e Fux
contestaram o voto da ministra Rosa Weber, que foi a primeira a se pronunciar
na sessão de ontem. Ela absolveu todos os réus e observou que não houve
quadrilha, mas uma coautoria para a prática de crimes. Na avaliação de Rosa, os
réus não abalaram a paz da sociedade nem causaram perturbação. "Quadrilha
causa perigo por si mesmo, o que nada tem a ver com o concurso de
agentes".
A ministra Cármen
Lúcia seguiu esse entendimento. Para embasar a tese de que as quadrilhas, mesmo
sem cometer crimes, ameaçam a sociedade, ela citou o famoso cangaceiro
Virgulino Ferreira da Silva: "Só a chegada de um bando, como o de Lampião,
é suficiente para trazer desassossego", comparou. "Não me parece que,
nesse caso (do mensalão), tenha havido a constituição de uma associação com a
finalidade de durar e com a específica finalidade de praticar crimes",
acrescentou.
Luiz Fux, porém,
alertou que não é necessário sequer que os acusados se conheçam para que o
crime de quadrilha esteja configurado. "Essa prática de crimes perdurou
por mais de dois anos, o que afasta de maneira irretorquível eventual tese de
coautoria", destacou.
Rosa, Cármen e Dias
Toffoli seguiram o revisor, Ricardo Lewandowski. O restante dos magistrados
acompanhou o relator, Joaquim Barbosa, que ontem voltou a defender sua tese.
"A prática do crime de formação de quadrilha por pessoas que usam terno e
gravata traz um desassossego que é ainda maior do que a prática dos chamados
crimes de sangue", frisou o relator.
"Engrenagem
ilícita"
Para o ministro Gilmar Mendes, a atuação da quadrilha do mensalão quebrou "o sentimento geral de tranquilidade" e, por isso, entra na caracterização de perturbação da paz pública, como descrito no Código Penal. "Sem dúvida, entrelaçaram-se interesses. Foi inegável a contribuição de cada um que visou lograr o interesse de todos. Não se resolveu apenas o problema do PT, do Banco Rural e do governo. Houve a formação de uma engrenagem ilícita que atendeu a todos e a cada um", justificou Gilmar.
Ao fim da análise,
por seis votos a quatro, 10 réus foram condenados por formação de quadrilha.
Esse resultado abre brechas para que os advogados peçam a anulação do
julgamento sobre formação de quadrilha. O regimento do Supremo prevê a
apresentação de recursos chamados embargos infringentes quando há pelo menos
quatro votos em prol da absolvição. O instrumento, porém, nunca foi usado na
Corte.
Somente duas acusadas
acabaram inocentadas da acusação de formação de quadrilha: a ex-gerente
financeira da agência de publicidade SMP&B Geiza Dias e a
ex-vice-presidente do Banco Rural Ayanna Tenório. Em relação ao atual
vice-presidente do Banco Rural Vinícius Samarane, houve empate, uma vez que
Marco Aurélio o absolveu por falta de provas. Os ministros iniciam hoje o
cálculo das penas. A previsão é de que o julgamento termine na quinta-feira.
Após a dosimetria, o último debate em plenário será sobre a perda do mandato
dos três deputados federais condenados no processo. Em 39 sessões, 25 réus
foram condenados e nove absolvidos. Um dos casos foi enviado para a primeira
instância.
Sociedade criminosa
Saiba quem são os condenados pelo STF por formação de quadrilha
José Dirceu
O ex-ministro da Casa Civil foi considerado o chefe da quadrilha do mensalão, como havia denunciado a Procuradoria Geral da República
O ex-ministro da Casa Civil foi considerado o chefe da quadrilha do mensalão, como havia denunciado a Procuradoria Geral da República
Delúbio Soares
Os ministros concluíram que o ex-tesoureiro do PT era o operador do núcleo político e o intermediário dos demais núcleos
Os ministros concluíram que o ex-tesoureiro do PT era o operador do núcleo político e o intermediário dos demais núcleos
José Genoino
O STF entendeu que o ex-presidente do PT integrou a quadrilha e negociou apoio político com líderes de outras agremiações
O STF entendeu que o ex-presidente do PT integrou a quadrilha e negociou apoio político com líderes de outras agremiações
Marcos Valério e
ex-sócios
O empresário mineiro foi condenado por integrar a quadrilha, da qual era o operador. Dois ex-sócios de Valério também foram condenados, assim como um advogado ligado ao empresário
O empresário mineiro foi condenado por integrar a quadrilha, da qual era o operador. Dois ex-sócios de Valério também foram condenados, assim como um advogado ligado ao empresário
Simone Vasconcelos
A ex-diretora financeira da SMP&B foi apontada pelos ministros como uma figura com atuação importante na quadrilha, pois ajudava a distribuir os recursos
A ex-diretora financeira da SMP&B foi apontada pelos ministros como uma figura com atuação importante na quadrilha, pois ajudava a distribuir os recursos
Ex-dirigentes do
Banco Rural
Integrantes do núcleo financeiro do esquema, dois ex-dirigentes do Banco Rural foram condenados por integrar a quadrilha do mensalão. O STF entendeu que eles alimentaram o valerioduto com recursos ilegais
Integrantes do núcleo financeiro do esquema, dois ex-dirigentes do Banco Rural foram condenados por integrar a quadrilha do mensalão. O STF entendeu que eles alimentaram o valerioduto com recursos ilegais
Ex-ministro nega
crime
Depois de ser condenado pelo Supremo, o ex-ministro José Dirceu divulgou uma nota em seu blog, com o título "Nunca fiz parte nem chefiei quadrilha", na qual questionou o resultado do julgamento. "O que está em jogo são as liberdades e garantias individuais. Temo que as premissas usadas neste julgamento, criando uma nova jurisprudência na Suprema Corte brasileira, sirvam de norte para a condenação de outros réus inocentes país afora", afirmou Dirceu, que acusou a Corte de ter desconsiderado as provas dos autos. "Vou continuar minha luta para provar minha inocência", acrescentou.
Depois de ser condenado pelo Supremo, o ex-ministro José Dirceu divulgou uma nota em seu blog, com o título "Nunca fiz parte nem chefiei quadrilha", na qual questionou o resultado do julgamento. "O que está em jogo são as liberdades e garantias individuais. Temo que as premissas usadas neste julgamento, criando uma nova jurisprudência na Suprema Corte brasileira, sirvam de norte para a condenação de outros réus inocentes país afora", afirmou Dirceu, que acusou a Corte de ter desconsiderado as provas dos autos. "Vou continuar minha luta para provar minha inocência", acrescentou.
Fonte: Correio Braziliense
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