O Brasil é um país fantástico. Nulidades são transformadas em gênios da noite para o dia. Uma eficaz máquina de propaganda faz milagres. Temos ao longo da nossa História diversos exemplos. O mais recente é Dilma Rousseff.
Surgiu no mundo político brasileiro há uma década. Durante o regime militar militou em grupos de luta armada, mas não se destacou entre as lideranças. Fez política no Rio Grande do Sul exercendo funções pouco expressivas. Tentou fazer pós-graduação em Economia na Unicamp, mas acabou fracassando, não conseguiu sequer fazer um simples exame de qualificação de mestrado. Mesmo assim, durante anos foi apresentada como "doutora" em Economia. Quis-se aventurar no mundo de negócios, mas também malogrou. Abriu em Porto Alegre uma lojinha de mercadorias populares, conhecidas como "de 1,99". Não deu certo. Teve logo de fechar as portas.
Caminharia para a obscuridade se vivesse num país politicamente sério. Porém, para sorte dela, nasceu no Brasil. E depois de tantos fracassos acabou premiada: virou ministra de Minas e Energia. Lula disse que ficou impressionado porque numa reunião ela compareceu munida de um laptop. Ainda mais: apresentou um enorme volume de dados que, apesar de incompreensíveis, impressionaram favoravelmente o presidente eleito.
Foi nesse cenário, digno de O Homem que Sabia Javanês, que Dilma passou pouco mais de dois anos no Ministério de Minas e Energia. Deixou como marca um absoluto vazio. Nada fez digno de registro. Mas novamente foi promovida. Chegou à chefia da Casa Civil após a queda de José Dirceu, abatido pelo escândalo do mensalão. Cabe novamente a pergunta: por quê? Para o projeto continuísta do PT a figura anódina de Dilma Rousseff caiu como uma luva. Mesmo não deixando em um quinquênio uma marca administrativa - um projeto, uma ideia -, foi alçada a sucessora de Lula.
Nesse momento, quando foi definida como a futura ocupante da cadeira presidencial, é que foi desenhado o figurino de gestora eficiente, de profunda conhecedora de economia e do Brasil, de uma técnica exemplar, durona, implacável e desinteressada de política. Como deveria ser uma presidente - a primeira - no imaginário popular.
Deve ser reconhecido que os petistas são eficientes. A tarefa foi dura, muito dura. Dilma passou por uma cirurgia plástica, considerada essencial para, como disseram à época, dar um ar mais sereno e simpático à então candidata. Foi transformada em "mãe do PAC". Acompanhou Lula por todo o País. Para ela - e só para ela - a campanha eleitoral começou em 2008. Cada ato do governo foi motivo para um evento público, sempre transformado em comício e com ampla cobertura da imprensa. Seu criador foi apresentando homeopaticamente as qualidades da criatura ao eleitorado. Mas a enorme dificuldade de comunicação de Dilma acabou obrigando o criador a ser o seu tradutor, falando em nome dela - e violando abertamente a legislação eleitoral.
Com base numa ampla aliança eleitoral e no uso descarado da máquina governamental, venceu a eleição. Foi recebida com enorme boa vontade pela imprensa. A fábula da gestora eficiente, da administradora cuidadosa e da chefe implacável durante meses foi sendo repetida. Seu figurino recebeu o reforço, mais que necessário, de combatente da corrupção.
Também, pudera: não há na História republicana nenhum caso de um presidente que em dois anos de mandato tenha sido obrigado a demitir tantos ministros acusados de atos lesivos ao interesse público.
Com o esgotamento do modelo de desenvolvimento criado no final do século 20 e um quadro econômico internacional extremamente complexo, a presidente teve de começar a viver no mundo real. E aí a figuração começou a mostrar suas fraquezas. O crescimento do produto interno bruto (PIB) de 7,5% de 2010, que foi um componente importante para a vitória eleitoral, logo não passou de uma recordação. Independentemente da ilusão do índice (em 2009 o crescimento foi negativo: -0,7%), apesar de todos os artifícios utilizados, em 2011 o crescimento foi de apenas 2,7%. Mas para piorar, tudo indica que em 2012 não tenha passado de 1%. Foi o pior biênio dos tempos contemporâneos, só ficando à frente, na América do Sul, do Paraguai. A desindustrialização aprofundou-se de tal forma que em 2012 o setor cresceu negativamente: -2,1%. O saldo da balança comercial caiu 35% em relação à 2011,o pior desempenho dos últimos dez anos, e em janeiro deste ano teve o maior saldo negativo em 24 anos. A inflação dá claros sinais de que está fugindo do controle. E a dívida pública federal disparou: chegou a R$ 2 trilhões.
As promessas eleitorais de 2010 nunca se materializaram. Os milhares de creches desmancharam-se no ar. O programa habitacional ficou notabilizado por acusações de corrupção. As obras de infraestrutura estão atrasadas e superfaturadas. Os bancos e empresas estatais transformaram-se em meros instrumentos políticos - a Petrobrás é a mais afetada pelo desvario dilmista.
Não há contabilidade criativa suficiente para esconder o óbvio: o governo Dilma Rousseff é um fracasso. E pusilânime: abre o baú e recoloca velhas propostas como novos instrumentos de política econômica. É uma confissão de que não consegue pensar com originalidade. Nesse ritmo, logo veremos o ministro Guido Mantega anunciar uma grande novidade para com¬bater o aumento dos preços dos alimentos: a criação da Sunab.
Ah, o Brasil ainda vai cumprir seu ideal: ser uma grande Bruzundanga. Lá, na cruel ironia de Lima Barreto, a Constituição estabelecia que o presidente "devia unicamente saber ler e escrever; que nunca tivesse mostrado ou procurado mostrar que tinha alguma inteligência; que não tivesse vontade própria; que fosse, enfim, de uma mediocridade total".
* Historiador, é professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR)
Fonte: O Estado de S. Paulo
Um comentário:
Não se pode negar que o Sr. Villa escreve bem e que seu artigo “Vou-me embora pra Bruzundanga” é um retrato da sua capacidade de usar um bom discurso a favor de uma determinada visão conservadora que sempre esteve presente no país e que hoje, depois de três vitórias consecutivas do PT, precisa encontrar caminhos e argumentos que possam derrotar o partido nas eleições de 2014. Para os que acham que o suposto radicalismo petista não aceita críticas, esclareço que críticas são fundamentais para o amadurecimento e crescimento da democracia. Isso é óbvio e ululante, mas o maior problema é a mediocridade das supostas críticas atuais e dos partidos ditos de oposição.
No texto de Villa, Dilma seria uma mulher mais do que medíocre, não tendo sequer condições mínimas de manter uma loja de R$ 1,99 no RGS. O autor se aproveita de seu argumento muito bem montado de que no Brasil “nulidades são transformadas em gênios da noite para o dia” e passa a desbravar uma série de supostas verdades sobre a vida acadêmica e profissional da presidente. Tal seleção “natural” não relativiza alguns acontecimentos, tais como: Dilma, para ser a primeira mulher presidente, não precisava ser uma grande liderança nos grupos em que militou, bastava sua corajosa dedicação a uma causa que acreditava e que acabou culminando em sua tortura e prisão. Porém, para Villa, parece que a visão dicotômica entre “winners e losers” impera e ele rapidamente considera Dilma na segunda categoria por ter “fracassado” ao tentar fazer pós-graduação em Economia. Talvez “fracasso” não seja bem o termo para alguém que iniciou o doutorado em Economia, não tendo finalizado o mesmo por voltar ao RGS para ocupar a Secretaria de Energia, Minas e Comunicação. Consta também que a gestão medíocre de Dilma chamou atenção já que foi um dos poucos Estados que não sofreram com o racionamento de energia em 2001.
Poderia finalizar aqui o desbravamento da biografia de Dilma a partir das colocações do Sr. Villa, mas vale frisar a importância dela como ministra das Minas e Energia por ter criado o programa Luz para Todos que em 2012 atingiu a marca de 14,4 milhões de pessoas beneficiadas pelo acesso à eletricidade.
Para além das demais críticas, o artigo de Villa desagua no pragmatismo dos números e da realidade econômica que devido à incompetência do atual governo, deverá se transformar em um tsunami nos próximos meses. Sim, é fundamental reconhecer o delicado momento econômico que o mundo vive e as dificuldades que Dilma enfrenta para manter o país crescendo, ao mesmo tempo em que busca controlar a inflação. Desde o ano passado, Dilma reduziu os juros em uma tentativa de manter o mercado aquecido. O desafio está em manter a economia forte, aumentar as exportações e controlar a inflação. Essa equação nunca foi simples e a história do Brasil mostra que muitos governos sofreram com a manutenção dos juros altos, como durante o governo FHC quando em um primeiro houve uma grande migração de dólares para o país, gerando uma falsa situação de reservas internacionais e no segundo momento, onde o Brasil virou a “bola da vez” com a crise de 1999.
Porém, o artigo do Sr. Villa não se debruça sobre a complexidade econômica e social do país e parece que a ele só interessa concluir que esse governo é um “fracasso”. Os índices econômicos mencionados só parecem se preocupar com um lado da moeda - se é verdade que em 2012 o crescimento foi de 1%, também é verdade que nesse mesmo ano o Brasil atingiu o menor índice de desemprego da história.
Sim, há um grande desafio pela frente, mas não parece ser essa a preocupação do autor do artigo. Seu ódio pelo PT, já explicitado em diversos artigos anteriores, mostram que o Sr. Villa tem lado, mas o problema está em não revelar nesse momento que suas supostas críticas possuem um interesse diretamente voltado para as eleições de 2014. E nesse sentido, acho importante tomarmos cuidado com as manipulações, exageros e cenários trágicos de alguns meios de comunicação que não são isentos e possuem sim interesses políticos.
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