• Armênio morreu acreditando que não existe no horizonte da ação política nenhum espaço para a intolerância ou para a ditadura. Nenhuma ditadura. Nem a do proletariado
- Blog do Noblat
Morreu Armênio Guedes com quase um século de vida, exatamente na semana em que um choque de valores ameaça marcar com uma cicatriz a democracia brasileira, que alguns ainda insistem em tratar como uma “plantinha tenra”.
Dos 96 anos vividos, Armênio passou metade dentro do Partido Comunista Brasileiro, onde nunca foi um burocrata saliente, daqueles cheios de medalhas honorificas, mas sempre foi um estrategista sábio e silencioso, um polo de ideias que tonificaram uma organização esterilizada pelo “centralismo democrático”.
Armênio poucas vezes teve liderança formal dentro do partido, mas nunca precisou disso para ser um catalisador de ideias e valores.
No prefácio do livro “Armênio Guedes, o Sereno Guerreiro da Liberdade”, que escrevi, o poeta Ferreira Gullar, que conviveu com ele durante anos dentro do PCB e foi seu companheiro de exílio no Chile, durante a ditadura militar, escreveu:
“(….) a luta de Armênio pela democratização do PCB e de sua visão revolucionária confundia-se com a necessidade de derrotar a ditadura militar que se instalara no Brasil em 1964. Também nesse plano, as divergências dificultavam o trabalho político, uma vez que a opção dos radicais de esquerda pela luta armada, veio fortalecer os setores mais repressivos do regime militar. Armênio estava entre os que mais atuaram para impedir que o regime fosse arrastado à desastrosa aventura guerrilheira. “
Disciplinado e discreto, mas firme em suas ideias e convicto de seus valores, Armênio rompeu com a ortodoxia de Luiz Carlos Prestes sem nunca precisar romper. Gestos teatrais e grandiloquentes nunca fizeram parte do seu modo de ser. Simplesmente ele e Prestes tinham ideias e concepções diferentes sobre estratégia e sobre democracia, e o tempo se encarregou de mostrar quem estava com a razão.
Depois de fazer o PCB, ainda que na ilegalidade, participar da luta pela redemocratização através da atuação política legal e parlamentar, com as brechas abertas pelo MDB, único partido de oposição tolerado pela ditadura, Armênio se convenceu ainda mais de que não existe sentido em qualquer luta para melhorar o mundo que não tenha como valor fundamental o respeito à liberdade.
Além das lições deixadas pela própria história de vida, pela generosidade e espírito de tolerância que transmitiu às pessoas que o acompanharam, que o cercaram e que conviveram com ele, Armênio Guedes deixou plantadas sementes que levam à compreensão da práxis política não como uma batalha de vida e morte, mas como uma forma de construir utopias possíveis e racionais sem nunca sacrificar os valores essenciais da democracia, que são o pluralismo e a liberdade.
Armênio morreu acreditando que não existe no horizonte do futuro a ser construído através da ação política nenhum espaço para a intolerância ou para a ditadura. Nenhuma ditadura. Nem a do proletariado.
Como Giuseppe Vacca, teórico do Partido Democrático da Itália, resultado da fusão entre o antigo Partido Comunista Italiano e o antigo Partido Democrata Cristão, Armênio, convencido da importância da democracia como valor universal, não acreditava mais que socialismo e capitalismo fossem excludentes. A ousadia teórica que ele defendeu ao final da vida, foi a de que o capitalismo é “um modo de produção" e o socialismo “um modo de regulação”, e que eles podem conviver e se complementar.
Uma utopia irrealizável, como todas as utopias? Pois foi para isso que ele viveu.
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Sandro Vaia, Jornalista, foi editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, da Agência Estado e do jornal “O Estado de S.Paulo”. Escreveu “A Ilha Roubada”, (Barcarolla) sobre a cubana Yoani Sanchez e "Armênio Guedes, Sereno Guerreiro da Liberdade"
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