• Rubens Ricupero, ex- ministro da Fazenda de Itamar Franco, alerta para indicadores econômicos ruins
• Para Ricupero, o aumento da inflação e a tentativa do PT de derrubar Joaquim Levy, atual titular da pasta, ameaçam as conquistas obtidas com o Plano Real
Monica Gugliano - O Globo
Ministro da Fazenda de Itamar Franco, Rubens Ricupero vê riscos às conquistas do Plano Real, relata O embaixador Rubens Ricupero tem uma fisionomia que remete à imagem de um religioso. O olhar tranquilo, a fala suave, mas enfática. O presidente Itamar Franco recordava que o embaixador fora o primeiro nome em quem pensara para conduzir a economia quando tomou posse interinamente, em outubro 1992. Na época em Washington, Ricupero preferiu ficar naquele que sempre foi o principal posto brasileiro no exterior. Dois anos depois, acabou aceitando o convite. Na história do Plano Real, que agora, será recontada no Memorial da República Itamar Franco, o diplomata aparece ao lado de Itamar, sorridente, segurando a nova moeda: o real. Itamar o chamava de “o sacerdote do real”. Hoje, Ricupero teme que a estabilidade alcançada com tanto trabalho seja perdida.
— O Plano Real e todas as conquistas que ele nos trouxe correm perigo. A inflação rompeu o patamar simbólico dos dois dígitos. E, se O PT e o ex- presidente Lula, como os jornais noticiam, pretendem tirar da Fazenda Joaquim Levy, o dia de amanhã será pior que o de hoje — alertou.
Itamar Franco convidou Ricupero para a Fazenda novamente quando o então titular da pasta, Fernando Henrique Cardoso, teve que deixar o cargo. FH, estimulado pelo presidente, disputaria a sucessão ao Palácio do Planalto. O sociólogo fez aliança com o PFL e o PTB, e ficou em segundo lugar nas pesquisas até a metade do ano. O sucesso da moeda, lançada em julho, e a desconfiança que o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, despertava nos agentes econômicos decidiram a eleição, e FHC venceu.
Até chegar a Fernando Henrique — que liderara uma equipe de economistas para criar o Plano Real — e, depois, nomear Ricupero, Itamar já tivera outros três ministros da Fazenda. O primeiro, o advogado pernambucano Gustavo Krause, mal completou dois meses na função. Depois, foi o economista mineiro Paulo Haddad que, até então, ocupara o Ministério do Planejamento. Menos de cem dias depois, outro ministro: o engenheiro civil e mineiro Eliseu Resende ( morto em 2011).
— Ele estava no cargo e veio a denúncia de que tinha ligações com a construtora Odebrecht. Não havia nada a fazer senão trocá- lo — contou o presidente do Instituto Itamar Franco, Marcelo Siqueira.
O ministro da Fazenda, soube Itamar pelos jornais, viajara a Nova York com as passagens e o hotel pagos pela construtora Odebrecht. Ele chamou Resende, e a conversa foi curta: “Tenho muito apreço pelo senhor. Mas ministro do meu governo não viaja com os custos pagos por empreiteiras”, disse.
Itamar, afirmam ex- colaboradores e amigos, tinha duas obsessões. A primeira era implementar um plano social de combate à fome. Criou o Conselho de Segurança Alimentar ( Consea), organismo ligado à presidência que tinha entre seus integrantes o sociólogo Herbert de Souza ( o Betinho), e é considerado o precursor das políticas compensatórias dos governos petistas, como o Bolsa Família, e do Programa Fome Zero, do governo FHC.
— Ele achava que o governo tinha que lutar contra a desigualdade brasileira, por isso também era imprescindível terminar com a inflação — observou Ricupero.
Ao convidá- lo, recorda o diplomata, o presidente só lhe pedira que mantivesse a equipe de Fernando Henrique e levasse o Plano Real adiante. Ricupero assim o fez. Lidou com a maior habilidade possível com Itamar, que insistia num congelamento de preços e se recusava a conversar com os economistas da Fazenda indicados por FH. Negociou com o Congresso, conversou com empresários e sindicatos. Fez palestras e deu entrevistas. Até que, numa delas, a Carlos Monforte, da TV Globo, já em plena campanha eleitoral, escorregou e disse: “O que é bom a gente mostra; o que é ruim gente esconde”.
— Foi um momento terrível, do qual me penitencio até hoje. A frase vazou pelas antenas parabólicas. Se é possível justificar ou explicar, eu estava dizendo o que é mais ou menos óbvio. Ninguém quer contar o que é ruim — disse o embaixador.
A frase era injustificável. Ricupero mesmo tomou a iniciativa de deixar o cargo. A campanha estava no auge, e Itamar convidou o então governador do Ceará, Ciro Gomes, para a Fazenda. Ciro, como fizera seu antecessor, levou adiante as medidas até a eleição de Fernando Henrique.
Então, toda uma geração cresceu sem saber o que era a inflação que tanto incomodava Itamar.
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