domingo, 2 de julho de 2017

Democracia precisa de cuidados, diz historiador

'Ter um líder é desistir do sistema', diz historiador Timothy Snyder

Seu novo livro, 'Sobre a Tirania: 20 Lições do Século XX Para o Presente', está sendo lançado no Brasil

Marianna Holanda, O Estado de S. Paulo

As trincheiras da 2.ª Guerra Mundial e o autoritarismo do século 20 podem parecer distantes no tempo e no mapa, mas para o historiador da Universidade de Yale Timothy Snyder, fatos recentes estão cada vez mais próximos de tempos sombrios do século passado. “Estamos ‘flutuando’ sobre tempos difíceis”, disse, em entrevista ao Aliás. No Brasil, Snyder identificou traços de autoritarismo na hostilização de figuração políticas em público e na polarização do discurso – coisas que tampouco são exclusividade brasileira.

“A história não se repete, mas ensina”. É com essa frase que o especialista em totalitarismo e leste europeu começa seu novo livro: Sobre a Tirania: 20 Lições do Século XX Para o Presente. No embalo do pânico liberal pós-vitória de Trump, Snyder escreveu no avião de volta ao País as lições que, descompromissadamente, em uma postagem no Facebook do professor. Após viralizar, acabou tomando forma de livro e meses depois do lançamento, atingiu o topo da lista de mais vendidos do The New York Times.

O livro, ou “manual” como ele chama, já está nas livrarias brasileiras, editado pela Companhia das Letras. 

Confira os principais trechos da conversa com Snyder.

Por que lembrar do século 20 se é tão recente? É um problema de geração, o esquecimento?

Vou falar um generalismo: os americanos são muito ruins em pensar história, além de só estudarem a própria história e vê-la apenas como um progresso. Pensam que, com o fim do comunismo, o capitalismo seria inevitável e cuidaria da democracia. Tendemos a educar as gerações mais jovens com pouca história, porque, nos EUA, fala-se que “a história acabou”. E quem não viveu por regimes totalitários tende a gostar de autoritarismos. Pessoas que nasceram em tempos democráticos costumam pensar que a democracia é natural. Não há nada de natural na democracia: é difícil, é complicada, tem que cuidar dela.

Vimos a tirania tomar conta da Europa na mesma época, em vários países. Assim como na América Latina, nos anos 1970, tivemos ditaduras militares. Você fala em seu livro que a história não se repete, mas que ela pode nos ensinar uma lição. Será que a história não é cíclica? Estamos vivendo um ciclo hoje?

Bom, eu não diria “ciclos”, porque dá a ideia de algo mecânico, geométrico, e sugere algo que está fora do nosso controle. Mas há tendências, que podem se relacionar a momentos históricos. Hoje estamos flutuando sobre tempos difíceis, entre políticas pluralísticas fatuais e políticas autoritárias. Contudo, há muitas possibilidades, mesmo que estejamos “flutuando”, é impossível prever o que pode acontecer.

Desde as eleições, em 2014, o Brasil está muito polarizado. Discursos estão cada vez mais radicais. Por que isso acontece? É preocupante?

Prefiro não comentar o Brasil especificamente. Mas há uma polarização generalizada no mundo e certamente é algo para se preocupar. Hoje temos cada vez mais informação polarizada: porque eu acredito nisso, vou ler apenas sobre isso, sem me preocupar com os fatos. É o que chamam de pós-verdade. Quem vê Fox News, só assiste a isso, quem lê jornais e vê CNN, está em um mundo completamente diferente. Temos um presidente (Trump) que acha normal destruir fatos e que, além de fazer comentários odiosos, se contradiz e descredita a mídia tradicional. É por isso que jornalistas que fornecem informação correta são os herois do nosso tempo. As pessoas precisam dar valor a informações certas, apuradas. No futuro, governos vão ter dar uma atenção especial a isso, fomentando política públicas, incentivo a comunição pública, formas de mostrar informação verificada.

Aqui tivemos uma jornalista sendo hostilizada no avião há duas semanas. Em todos os lados da discussão, figuras políticas têm sido hostilizadas, xingadas em público. É um movimento autoritário?

Não sei como foi esse episódio, não tenho detalhes. Mas certamente é autoritário. Para que o sistema de direitos funcione, é necessário que se diferencie o corpo de alguém e suas ideias. Em um sistema autoritário, não há essa diferenciação. Isso quer dizer que não tenho o direito de assediar verbalmente alguém, xingar, empurrar, fazer o que for. As pessoas devem ter o direito de andar de ônibus, avião, sair em locais públicos, porque têm o direito de serem indivíduos para além de suas ideias.

Uma das lições do seu livro é: “defenda as instituições”. O que acontece quando as pessoas desacreditam nas instituições e na política?

Isso é extremamente perigoso, até porque sempre há a política, mesmo quando dizem que não há. Os “Pais fundadores” dos Estados Unidos falavam que a democracia não é o melhor modelo, mas é o menos pior. Se você se decide que o governo é péssimo, que não há nada a se fazer, que a instituições não funcionam, surge a ideia de que um líder pode consertar tudo. Muitos americanos pensam assim, que o governo está quebrado e que Trump é o líder que pode salvá-los - e essa é a retórica dele também. O culto à personalidade é uma grande tentação. Mas ter um líder é desistir do sistema, é delegar a manutenção da democracia para outra pessoa. E uma pessoa penas não pode substituir todo o sistema, há instâncias, instituições, secretårios.

Como tem sido a reação do público ao seu livro?

Uma coisa curiosa que reparei é que, fiz o livro pensando especialmente nos jovens, meus alunos, mas o que vi foram pessoas mais velhas, como pais e avós, comprando os livros e dando para seus netos e filhos. Para mim, isso realmente tem sido muito positivo. Tenho recebido comentários de alunos meus e pessoas afora que achavam que nada importava do que fizessem ou mesmo que queriam se engajar, mas não sabiam como. Jovens de 20 e poucos anos, que foram criados sem história, e que estão desistindo de simplesmente sair da faculdade e arrumar um emprego, para viajar pelos Estados Unidos e conversar com pessoas de opiniões políticas opostas. Outros fundaram jornais alternativos ou foram trabalhar em campos de refugiados. O que as pessoas fazem importa sim e muito, em tempos como esse. Do ponto de vista de lições históricas, momentos que demoraram anos para se desenrolar, podemos aprendê-los mais rapidamente e logo. Por isso, o livro é um manual. As lições não vêm de mim, sou apenas um tradutor, de pessoas muitos sábias, que trouxeram esses conhecimentos.

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