Presidente americano não obtém do ditador da Coreia do Norte muito mais que um compromisso vago
A confiança nas próprias habilidades, sem dar ouvidos a conselhos ou ressalvas em seu entorno, constitui aspecto central da personalidade de Donald Trump. Tal convicção alcançou o paroxismo no tão aguardado encontro com o ditador norte-coreano, Kim Jong-un.
Decerto, o inédito aperto de mãos entre o comandante da maior potência mundial e o líder do mais recluso regime detentor de armas atômicas terá lugar na posteridade. Entretanto o caminho que Trump escolheu para tentar convencer a Coreia do Norte a abdicar de seu arsenal corre grave risco de se provar inviável no decorrer do tempo.
Ao apostar no autopropalado tino de negociador, o presidente pôs na mesa a oferta de interromper os exercícios militares com a Coreia do Sul, sem aviso prévio à nação aliada —aliás, entreveros com parceiros históricos dos EUA têm se tornado marca deste governo, como a recente recusa em endossar a declaração da reunião do G7.
Trata-se de uma concessão que, se confirmada, agradará sobremaneira a Kim, para quem os treinamentos representavam uma ameaça à soberania.
Em contrapartida, até o momento, a Casa Branca tem apenas um vago comunicado conjunto em que Pyongyang reafirma seu compromisso de desnuclearização.
Não se fixaram, ademais, metas nem prazos para o processo, sem o qual nenhum acordo faz sentido. O único recurso dos EUA para pressionar os norte-coreanos será a manutenção das sanções econômicas enquanto não houver medidas concretas de desarmamento.
Trump diz ter construído um “elo muito especial” com o ditador e parece crer nisso para não reproduzir o fracasso de governos americanos anteriores em negociações com o regime comunista. Cumpre recordar que, nessas ocasiões, o rompimento do diálogo se deu por parte da Coreia do Norte, que só fez ampliar seus testes nucleares.
De “pequeno homem do foguete”, que estaria sujeito a “fogo e fúria” caso mantivesse suas ameaças, Kim Jong-un passou a ser, na visão do líder republicano após a reunião em Singapura, um homem “muito talentoso”, que ama seu país.
Tamanha mudança de opinião em poucos meses pode ser atribuída a uma estratégia de ganhar a confiança do rival em prol de um pacto que traria estabilidade e paz aos parceiros dos EUA na região.
No entanto, dados o temperamento errático de Trump e a pouca confiabilidade norte-coreana, as mesuras a Kim, por ora, só têm o efeito de conferir legitimidade a um Estado-pária, que impõe a seu povo uma repressão brutal e as mais básicas privações.
De qualquer maneira, convém esperar os próximos desdobramentos. É natural que um esforço diplomático dessa monta precise de meses, talvez anos, para vingar.
Afigura-se perigoso, porém, cortejar um interlocutor de pouco crédito sem garantias. A suposta nova amizade iniciada em Singapura terá, em algum momento, de superar a descrença do mundo.
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