sábado, 7 de julho de 2018

Miguel Reale Júnior: Segurança na segurança

- O Estado de S.Paulo

Há que evitar candidato que gosta de aplausos ao esquadrão da morte ou de receber juiz a tiro

O tema mais sensível da disputa pela Presidência da República é o da segurança pública, em vista do desassossego que aflige o cotidiano da população, principalmente nas cidades grandes e médias. A delicadeza da questão está no fator emocional, no medo sentido diante da violência presente nas ruas, além da sensação de impunidade.

Nestas condições, a campanha eleitoral levará candidatos populistas a explorar o problema com propostas simplistas de maior repressão, manifestamente pouco redutoras da criminalidade, mas enganosas.

Vem de ser promulgada a Lei n.º 13.675, instituidora do Sistema Único de Segurança, cuja tônica está na busca de integração operacional das diversas unidades de polícia - Federal, Militar, Civil, Rodoviária, municipal - e na criação de rede nacional informatizada para intercâmbio de informações das integrantes desse sistema. Criar banco de dados criminal de âmbito nacional é essencial para orientar os trabalhos de persecução penal - a ser financiado, como sugerimos em nossa passagem pelo Ministério da Justiça, pelo Fundo de Telecomunicações.

Quanto à integração operacional, posso lembrar minha experiência na Secretaria de Segurança de São Paulo e à frente do Ministério da Justiça. Neste, organizamos forças-tarefa compostas pelas Polícia Federal, Rodoviária Federal e Polícias Civil e Militar de São Paulo e de Mato Grosso do Sul, no combate ao roubo de carga, com resultado muito positivo. Para integrar as polícias, outro caminho está em fazê-las ter formação parcialmente conjunta, dividindo salas de aula.

Tais medidas são importantes, mas não suficientes. Onde estão os gargalos da segurança pública? A meu ver, na elucidação dos crimes, na absoluta falta de uma política criminal de cunho social, no sistema prisional produtor de reincidência.

Cresceu vertiginosamente, especialmente em Estados do Norte e Nordeste, o número de homicídios, que nessas regiões alcançam no ano a média de 50 por 100 mil habitantes. No assassinato é mais fácil do que no roubo à mão armada apurar a autoria, pois o assassino em geral está entre conhecidos, agindo por motivação verificável. Assim mesmo, na média, no País, apenas 15% dos casos têm sua autoria esclarecida. No Pará, por exemplo, tão só, 4% dos homicídios são elucidados.

Já no crime que mais amedronta o nosso dia a dia, o roubo à mão armada, a identificação da autoria e a instauração de processo, em todo o Brasil, fica na faixa de 1% a 2%. Se não houver flagrante não se alcançam provas de autoria. E se instala a impunidade. Tal demonstra a falta de serviço de inteligência nas investigações e do uso de dados do modus operandi, seja para prevenção como para apuração dos crimes. Dos assaltos à mão armada, poucos são elucidados, além da cifra negra, ou seja, dos crimes não notificados à polícia, por saber o cidadão nada adiantar a perda de seu tempo indo à delegacia. Aí está a impunidade.

No Diagnóstico do Sistema Criminal, que dirigi em 2000, constatou-se ser grande fator criminógeno a desorganização social nas médias e grandes cidades, com periferias destituídas de equipamentos viabilizadores de socialidade e de dignidade da pessoa. O único divertimento nos bairros pobres está no boteco, em cujas proximidades se comete a maioria dos homicídios.

De um lado, é essencial o fechamento de bares na periferia a partir das 10 horas da noite, medida eficiente experimentada no contorno de Brasília e em Diadema (SP).

Outra medida essencial está na instalação de juizados lá na ponta dos centros urbanos, contando com a presença de juiz, promotor, defensor público e policiais civis e militares, levando a Justiça ao povo. A figura do juiz é forte instrumento de paz social, como se viu em Cidade Tiradentes, no fundão da Zona Leste de São Paulo, com o Centro Integrado de Cidadania.

Mas bom exemplo de redução da criminalidade está na integração social decorrente de atividades culturais e esportivas, como ocorreu em Jardim Ângela, com o Programa Criança Esperança. As escolas podem ser transformadas em local para atividades esportivas e culturais, como teatro, cinema, oficinas de artes, ensino de pintura, escultura, música. Só assim se abre a oportunidade de desenvolvimento da personalidade aos desassistidos da periferia, ganhando-se como subproduto a redução da violência.

Outra questão reside na situação calamitosa de nossos presídios. O cerne do cumprimento da pena na Lei de Execução Penal vem a ser o trabalho prisional, que constitui um direito, mas antes um dever do preso visando a proteger sua higidez mental e ao mesmo tempo impor controle e disciplina no cárcere. Poucos presídios têm oficinas de trabalho, imperando, ao lado da superlotação, a ociosidade. Tudo conspira para a reincidência.

Imenso é o déficit de presídios próprios para o regime semiaberto de caráter agrícola, industrial ou agroindustrial, de baixo custo, onde haja trabalho diurno em comum, como passagem obrigatória no cumprimento da pena, para não se transformar indevidamente o semiaberto em aberto, ao se autorizar o trabalho diurno fora da prisão, o que deveria ser exceção, não regra.

O trabalho é fundamental para o condenado, pois ocupa o tempo, gera pecúlio e constitui aprendizado para a liberdade. A organização do trabalho no presídio também leva à redução da influência dos comandos dirigidos pelos presos chefetes da cadeia. Para evitar a reincidência, todavia, é básica também a assistência ao egresso, auxiliando o liberando a se recolocar na sociedade normalmente hostil ao ex-condenado.

Estas ponderações mostram que se devem evitar os presidenciáveis que gostam de bravatas, aplausos ao esquadrão da morte ou receber juiz a tiro, como já disseram respectivamente Bolsonaro e Ciro Gomes, pois sob sua direção o caminho complexo da segurança será desastroso.
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Miguel Reale Júnior é advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça

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