- O Globo
Criar 300 novos municípios inviáveis, de cinco mil a oito mil habitantes. Multiplicar por dez o que a União paga aos estados pela Lei Kandir. Prorrogar por mais 15 anos a guerra fiscal e incluir nela a redução de impostos federais. Aumentar os benefícios para as transportadoras. Dar novos descontos de dívidas para empresas rurais, inclusive as grandes. Quem teria tais ideias? O Congresso brasileiro.
Essas são algumas das decisões aprovadas ou em tramitação no Congresso nos últimos tempos. A mistura perigosa de fim de governo com concessões aos lobbies está piorando a ingovernabilidade do Brasil. Essas medidas têm sido aprovadas, ou avançam no Parlamento, sob os aplausos da oposição e com a conivência de partidos da base. O que os partidos deveriam considerar é que esse governo está terminando, e todas as bombas acabarão estourando no colo de quem for eleito. Quem arma a bomba pode ter que desarmar dentro de alguns meses.
O projeto de regulamentação de municípios inclui brechas que pode permitir a criação de cidades inviáveis. Permitiria, por exemplo, explica um alto funcionário que acompanha as decisões legislativas, pegar municípios que hoje vivem de transferências, de 15 mil habitantes, por exemplo, e dividi-los em dois para atender a lideranças políticas diferentes. Assim, haveria duas prefeituras, duas câmaras de vereadores. O projeto de lei complementar que regulamenta a criação de municípios teve urgência aprovada na Câmara e já foi votado no Senado. Um levantamento do Ipea indica que isso permitiria a criação de pelo menos 300 novos municípios no país.
Outra bomba vem da velha e nunca resolvida questão da compensação aos estados pela desoneração de ICMS da exportação de produtos primários e semielaborados, a Lei Kandir. Os estados acham que perderam muito, o governo federal acredita que eles ganharam com o aumento das importações e o aumento da atividade econômica decorrente dessa redução. A lei manda compensar e isso tem sido feito no valor de R$ 3,8 bilhões por ano. Um projeto de lei aumenta para R$ 39 bilhões por ano essa transferência que a União teria que fazer aos estados. O ministro Gilmar Mendes determinou que o Tribunal de Contas decida, até o final de agosto, quanto deve ser o valor. Essa decisão do ministro conseguiu criar perplexidade em todos os lados, já que não deveria ser função do TCU arbitrar um conflito federativo.
O Congresso faz suas próprias propostas de bombas, ou coloca o artefato em alguma lei que está lá por outros motivos. O governo mandou um projeto tentando acabar com a guerra fiscal. Ficariam legitimados os benefícios concedidos pelos estados sem ouvir o Confaz, mas daí para frente não se criariam novos. O Congresso então prorrogou por 15 anos os benefícios, segundo explicou a repórter Marta Watanabe do “Valor”, esta semana. Além disso permitiu a concessão a novas empresas, o que mantém a guerra fiscal. E ainda incluiu impostos federais na base de cálculo para o benefício. Isso custaria R$ 9,3 bilhões à União. O governo vetou e o Congresso derrubou o veto.
O Ministério da Fazenda tenta reduzir à força de uma das bombas. A que foi embutida na Emenda 99 que tratava do uso de depósitos judiciais para pagar precatório. O Congresso incluiu nela a obrigação de a União conceder financiamento para estados e municípios pagarem seus precatórios. Essa é de vários megatons. As dívidas em precatórios somam R$ 94 bilhões. Na regulamentação, que está sendo feita pelo governo, estão sendo estabelecidas as condições em que se daria esse financiamento a juros baixos.
O projeto de lei que dá uma série de benefícios às empresas transportadoras tem ainda que passar pelo Senado e a esperança é que lá sejam reduzidas as vantagens dadas pelo relator da lei na Câmara, ele mesmo um dono de transportadora, deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP). O governo tenta reduzir o custo dos benefícios concedidos aos produtores rurais na renegociação das dívidas, que ficaria em R$ 17 bilhões. Pela nova MP, o benefício será apenas dos pequenos produtores que precisam de ajuda, e o custo será de R$ 1,7 bilhão.
O Congresso trabalha como se fosse hora de pilhar um governo que está no fim, e na verdade está inviabilizando o país.
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