- O Estado de S. Paulo
A negação da realidade escolheu o pior de dois mundos, os desastres na saúde e na economia.
O desastre principia com a negação da realidade. Como Donald Trump, Jair Bolsonaro é presidente que afronta os fatos porque, para ele, é sempre possível dar o dito por não dito; alegar malentendido e acusar os outros. A prática é manjada, mas rebaixar a pandemia à “gripezinha”
foi seu o paroxismo.O vírus de impôs e transformou a pandemia em “crise humanitária”.
Indispondo-se com o mundo e com seu ministro da Saúde, o presidente perdeu elos com nações, com o Congresso, com os governadores e com o Supremo Tribunal Federal. Ficou institucionalmente só, agarrado a radicais e a um paradoxo: sendo contra a quarentena, somente seu sucesso – com poucas mortes – é que reanimaria a tese da “gripezinha”, para que possa dizer “eu disse”.
A queda de braço com Luiz Henrique Mandetta ficará para a história. Sem admitir que salvar vidas e empregos não é incompatível, tentou se impor ao ministro – o que já é estranho – com certo cálculo: como a Economia de Paulo Guedes já patinava, a Saúde e os governadores seriam bodes expiatórios do fracasso econômico.
Até onde pôde, equilibrou-se na ambiguidade e, assim, num dia condescendia, no outro desdizia. “Isso cansa.” Mas, o presidente não percebia lidar com profissionais. O DEM, partido do ministro, é hoje o que mais se assemelha ao antigo PSD – de Juscelino, Valadares, Tancredo e outras raposas –, sabe andar no fio da navalha. Articulado com os seus, o ministro permitiu que o presidente esticasse a corda para que arrebentasse nas bandas do Planalto.
O cálculo se inverteu: se a quarentena obtiver sucesso, será obra do abnegado Mandetta. Já o fracasso será creditado à irascibilidade de Bolsonaro, algoz do ministro. Mas, ao final, não haverá ganho: suspeita-se que muitos morrerão e o desastre econômico será inevitável. A negação da realidade escolheu o pior de dois mundos.
*Cientista político e professor do Insper
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