Folha de S. Paulo
Vítima de abuso, menina de 11 anos vive
situação indistinguível da privação de liberdade
A legislação sobre o aborto no Brasil é um lixo, mas os médicos conseguem torná-la ainda pior. O Código Penal (CP) é uma norma jurídica autoaplicável, isto é, que dispensa regulamentações. O artigo 128 do CP estabelece que o aborto praticado por médico não é punível quando há risco de vida para a mulher ou quando a gravidez resulta de estupro e há o consentimento da gestante ou de seu representante legal. Não há necessidade de autorização judicial, nem limite de fase gestacional. O médico também não tem a obrigação de apurar previamente se a informação prestada é verdadeira.
Isso significa que, num país onde as leis, mesmo ruins, apenas funcionassem, qualquer mulher que chegasse grávida a um serviço de saúde dizendo ter sido estuprada conseguiria seu aborto sem muita burocracia nem necessidade de acionar a Justiça.
Assim, a primeira instituição a errar no caso da menina
catarinense de 10 anos que buscava um aborto foi o hospital
universitário em que ela foi atendida. A equipe médica se recusou a realizar o
procedimento porque calculara a idade gestacional em 22 semanas e dois dias,
isto é, dois dias além do limite preconizado em norma técnica do Ministério da
Saúde. O problema é que os métodos para estimar a idade gestacional não têm
essa precisão toda, e a norma, vale lembrar, é só uma recomendação feita com
base no conceito de aborto utilizado pela OMS (até 22 semanas é aborto, depois
é antecipação de parto), que não tem força de lei.
Os valorosos doutores jogaram, então, a bola para o Judiciário, e aí sucedeu-se um festival de horrores. Resumindo uma longa história, a menina foi retirada da mãe e colocada num abrigo para que não pudesse abortar, apesar de a lei lhe facultar essa possibilidade. Ela fez 11 anos numa situação indistinguível da privação de liberdade, apesar de ser a vítima.
Difícil não dar razão ao PCO quando faz críticas acerbas ao Judiciário.
Um comentário:
Pior foi a juíza perguntar pra menina se o ''pai''estuprador concordaria com a adoção da criança.
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