quinta-feira, 30 de junho de 2022

Vera Magalhães: 'Emergência' vira pretexto para Bolsonaro gastar sem contenção

O Globo

O Senado está prestes a aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição que estabelece uma série de novos benefícios sociais e financeiros e permite ao governo promover esses gastos à revelia das restrições da lei eleitoral, da regra de ouro e do teto de gastos da União, sob a justificativa de que o país vive estado de emergência.

Vários senadores reconhecem, reservadamente, que a PEC é inconstitucional, mas a maioria dos discursos no plenário, inclusive da oposição, cedeu ao apelo social da medida, que estabelece um voucher para caminhoneiros de R$ 1.200, eleva o Auxílio Brasil para R$ 600, incluindo no programa toda a fila que aguarda sua concessão, e amplia o valor do vale-gás.

O impacto fiscal estimado é de pelo menos R$ 38,7 bilhões, segundo cálculos dos senadores. Para viabilizar a proposta, o substitutivo do senador Fernando Bezerra (MDB-PE), que fez uma junção da PEC 01 e da PEC 16, estabelece a suspensão das proibições de ampliação e criação de gastos previstas na legislação eleitoral a menos de seis meses da eleição.

As despesas também ficarão fora do teto e "as operações de crédito realizadas para custear o auxílio financeiro não precisarão obedecer à chamada regra de ouro das finanças públicas (art. 167, III, da CF), que diz que o Tesouro não pode se endividar para financiar gastos correntes e tampouco será necessário atender ao disposto no art. 167, § 3º da CF, que restringe a abertura do crédito extraordinário ao financiamento de despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública".

Ou seja: não há qualquer limite para novos gastos, de acordo com essa justificativa tão ampla.

O artigo mais ilustrativo do "libera geral" do texto é o segundo, que inclui a emergência no Ato das Disposições Transitórias da Constituição, sem fixar limites.

Diz o texto proposto por Bezerra: "Art. 2º O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 120. Fica reconhecido, no ano de 2022, o estado de emergência decorrente da elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados e dos impactos sociais deles decorrentes""

O inciso IV do mesmo artigo é um escândalo, pois estabelece que para os fins da PEC vale "a não aplicação de qualquer vedação ou restrição prevista em norma de qualquer natureza.”

Para juristas, tal amplitude abre caminho para, com a justificativa do mesmo "estado de emergência", o governo lançar mão de outros gastos ou até, no limite, questionar a conveniência e a possibilidade da própria realização das eleições, uma vez que a ementa do projeto fala genericamente que a emenda "reconhece o estado de emergência decorrente da elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados e dos impactos sociais deles decorrentes".

Senadores da oposição protestaram contra o inciso que revoga a incidência de qualquer restrição legal e a inclusão do estado de emergência no Ato das Disposições Transitórias da Constituição. Por sugestão dos senadores Ranfolfe Rodrigues e Alessandro Vieira, esses trechos deverão ser suprimidos ou alterados, em votação prevista para a tarde desta quinta-feira.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que a princípio tinha dúvidas, manifestadas a colegas, quanto à constitucionalidade de uma PEC tão ampla, deixou o assunto para ser decidido pelo plenário. Chegou a louvar a atuação de Fernando Bezerra e reconheceu em vários momentos da sessão desta quarta-feira a necessidade econômica e social do projeto.

A PEC é inconstitucional e fere gravemente o princípio segundo o qual não pode haver abuso de poder econômico na eleição. Mas, a julgar pelo comportamento das bancadas, inclusive da oposição, a resistência não virá do parlamento, e as críticas não virão dos adversários de Bolsonaro.

É dessa maneira que, no mundo todo, candidatos a autocratas vão alterando a legislação e suprimindo os controles e os freios, com an unuência parlamentar, usando como pretexto bons propósitos sociais.

Bolsonaro claramente usa os auxílios, vouchers e vales para tentar melhorar suas chances eleitorais, com o beneplácito da própria oposição, que não só vai enfrentá-lo em condições desiguais nas urnas como, se ainda assim vencê-lo, terá de pagar a conta do total descontrole fiscal a partir de 2023. É insano, é ilógico, é irresponsável, todos sabem, mas todos calam e consentem.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

A oposição tem medo de agir ''contra'' o povo.