O Globo
Minha recente viagem a Brasília para a
periódica medição de temperatura e conversa olho no olho com autoridades dos
três Poderes, sem a mediação do WhatsApp e do telefone, me fez voltar com a
constatação de que as teses golpistas de Jair Bolsonaro conseguiram adesão de
amplos espectros do governo, para muito além da ponta mais visível dos
militares.
O presidente conseguiu incutir em
apoiadores na Esplanada dos Ministérios e no Congresso a versão segundo a qual
o Supremo Tribunal Federal (STF) o impede de governar ou exorbita de suas
atribuições.
Mesmo políticos que publicamente se colocam
como opositores do presidente partilham, em privado, essa avaliação a respeito
da atuação dos ministros, o que leva a que, hoje, o Judiciário seja uma ilha
isolada na Praça dos Três Poderes. E seus integrantes se percebem dessa
maneira.
Ministros dizem, em privado, que terão de “escolher as brigas” de agora em diante, numa clara demonstração de que se sentem acuados graças à ininterrupta campanha de difamação promovida pelo presidente da República, que já tem novos capítulos programados para o próximo dia 31 e para o 7 de Setembro, quando o Bicentenário da Independência será transformado em movimento de ostentação militar e pressão sobre as instituições democráticas.
Ministros civis de Bolsonaro repetem sem gaguejar ou colocar sob escrutínio as suspeitas lançadas pelo presidente contra o sistema eletrônico de votações. Endossam a cobrança para que os militares tenham papel na fiscalização da campanha. Dão como certa a ocorrência de tumulto no curso da campanha eleitoral e atribuem a iminência não a Bolsonaro, mas aos ministros do STF que teriam “esticado a corda” com medidas como o inquérito das fake news e a condenação e prisão do deputado Daniel Silveira.
Repetem, com ares de verdade absoluta,
aquilo que o bolsonarismo faz chegar à sociedade na forma de rações diárias de
posts nos grupos das famílias, nas comunidades do Telegram e no material dos
brasis paralelos da blogosfera do YouTube.
O claro intuito intimidatório dessa
tempestade narrativa lançada diuturnamente a partir do Palácio do Planalto, com
uso de meios oficiais, vem sendo alcançado. A decisão de “escolher brigas”
inclui, na visão de ministros do STF, deixar passar a PEC Kamikaze,
escandalosamente inconstitucional e atentatória ao regramento eleitoral, uma
vez que ela foi apoiada pela maioria esmagadora do Congresso, incluindo a
oposição.
Diante da tática da “água mole em pedra
dura, tanto bate até que fura”, mesmo a última barreira de contenção à
depredação da democracia promovida pelo presidente da República — a Corte
constitucional — começa a bambear e a se acovardar.
Sinais claros dessa tibieza já vinham da
Justiça Eleitoral, que foi aquiescendo, para não entrar na briga, com
exigências absurdas dos militares por um protagonismo na fiscalização das
eleições que não lhes é facultado pela Constituição.
A cada sinal percebido de sangue na água,
os militares se assanharão para avançar sobre o terreno aberto primeiro por
Luís Roberto Barroso, depois por Edson Fachin, sempre com o propósito de uma
conciliação que, os anos têm mostrado, é impossível com o bolsonarismo, um
movimento de natureza antiestablishment.
É extremamente preocupante que ministros
com assento em postos-chaves do governo tratem como questão de tempo que haja
tumulto no Dia da Independência, depois durante o processo eleitoral e, por
fim, após a proclamação do resultado das urnas.
Daí para aquiescer com uma tentativa de
ruptura democrática com base nos “mas também” que empregam nas conversas sobre
o STF, é um pulo. Eles ainda não percebem, mas estão embarcados no camarote do
golpe.
6 comentários:
É só chamar o Gilmar ele é o sabichão que pula de galho em galho.
Que nem Tarzan
Eu acho que os ministros ''percebem'' sim,percebem e torce pelo golpe.
Percebem e ''torcem'' pelo golpe:Corrigindo meu erro.
Essa tese que STF exorbita suas funções pode até ser verdade mas, não se admite o golpe por causa disso. Todos erram. Recente STF passou por cima da assembleia de mg e impôs a adesão a regime recuperação fiscal ao estado.
Eu tenho esperança que Bolsonaro perderá as eleições e terão que enfiar o rabo entre as pernas…
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