O Globo
Ex-presidente foi bem em entrevista ao
Jornal Nacional. Teria ido muito melhor se não confiasse tanto em sua
autoridade histórica como fiadora de um futuro
Lula esteve muito à vontade na entrevista
ao Jornal Nacional. Falo em termos de tom; de soluções para enfrentar as
perguntas. A rigor, é o que interessa em eventos assim. Menos o que se
responde, o que se chama de conteúdo, inclusive com propostas; mais a forma
como se leva a resposta para um campo confortável. Ele é mestre nisso. Campo
confortável, em resumo: fui o melhor presidente da história do Brasil e sei
como cuidar do povo.
O senão terá sido o início. Falo de percepção. Pode ser a lista gigantesca que for. Dezenas de benfeitorias a citar. Não fica bem percebido o entrevistado que baixa a cabeça para ler cola. Ficou estranho. Foi o único momento de nervosismo e titubeio. E diga-se que o ex-presidente respondia a uma questão sobre corrupção que lhe fora endereçada praticamente o eximindo de responsabilidade sobre crimes havidos em seu governo. Os adversários dirão que foi bola levantada na ponta. Os fatos confirmam que, não havendo mais condenação pela Justiça, o sujeito é inocente.
Foi o que baseou a pergunta de abertura,
gerando algum conforto ao entrevistado; e, ainda assim, Lula demorou a
encontrar o prumo. Encontrou atacando. Atacou o Ministério Público, o instituto
da delação premiada e um conjunto de operações que teria destruído o setor de
construção civil nacional, levando consigo muitos empregos. Foi quando – e só
dessa vez – pareceu se exaltar.
Depois disso, nadou de braçada. A ponto
mesmo de só responder sob argumento de autoridade histórica – eu sou o fiador
do governo que farei. Não preciso apresentar propostas. O governo será uma
surpresa. Mas ele garante que será surpresa boa. Problema: nem todo mundo –
aquele cidadão de cujo voto precisa – tem boa memória sobre o governo que fez.
Nem todo mundo tem memória a respeito; os que não eram nascidos ou eram
crianças. E mesmo os que têm memória positiva: será suficiente, vinte anos
depois? Nem todo mundo, portanto, considera razoável que o histórico – ainda
que de sucesso – baste para lastrear futuro. Mas assim foi, com muito charme,
entusiasmo e fé: confie que eu farei bonito; só não acho que preciso lhe dizer
o que e como.
Sobre a lista tríplice para a indicação de
procurador-geral da República, se a respeitará como no passado, ou se agirá
como Bolsonaro, avaliou ser aceitável dizer que prefere, por ora, deixar o
Ministério Público com uma “pulguinha atrás da orelha”. Por quê? Para quem quer
votos, deveria ter entendido que plantaria a pulguinha também naqueles que não
são antipetistas.
Não entendo o que se pretende com esse
planejamento secreto.
Qual o problema em dizer o que fará? Por
que não apresentar propostas claramente? Essa mesma modalidade de “a garantia
sou eu” se aplicaria ao que projeta em matéria de política pública para
economia. Com uma ressalva: um espectador generoso poderá ter lido o enigma
sobre o caminho que Lula seguirá a partir de críticas modestas a escolhas
econômicas de Dilma Rousseff. Nada muito conclusivo, porém.
Se pensa mesmo que pegou um país quebrado
em 2003, a “herança maldita” de FHC, talvez não esteja apetrechado para medir o
que espera o próximo governante em 2023. Preocupa.
Registre-se que foi eficiente em plantar
que, observando a LDO enviada ao Parlamento, está escrito que Bolsonaro não
pretende manter o Auxílio Brasil em R$ 600; o que só faria agora por razões
eleitoreiras. Isso ecoa.
Muito conclusiva, com efeito, foi a escolha
por dar protagonismo à parceria com Geraldo Alckmin. Grande acerto estratégico.
O Brasil que dialoga; que une divergentes. Eis o recado. Embora não fosse assim
tão bonito, e eu me lembro de Lula pregando a extirpação de um partido de
oposição, a construção de um tempo em que éramos felizes – adversários, não
inimigos – produz imagens eficientes.
O discurso sobre a necessidade de o Brasil
voltar a ter estabilidade também resulta. Pega na veia. São muitos os exaustos –
os que não conseguem se planejar – por obra de um presidente que é gerador
permanente de imprevisibilidades. Lula passa uma estranha segurança, produto
desses tempos: a de que somos capazes de prever os erros do PT. Isso virou
ativo.
O grande momento da entrevista: foi
especialmente bem ao falar de orçamento secreto para cravar que Bolsonaro não
manda. Golpe duro na ideia do mito. Lula encaixou, a partir do que seria uma
subordinação a Arthur Lira, um Bolsonaro fraco. Pouco importa que não seja bem
assim e haja muitas nuances na sociedade entre os presidente da Câmara e da
República. Não importa. Chamou Bolsonaro de bobo da corte. Machucou. É o que
fica.
Fica também que não tem noção sobre como
enfrentar o advento do orçamento secreto. Na hipótese de que o queira
enfrentar. A lembrança do mensalão não nos permite descartar o pacto via emenda
do relator como uma maneira de Lula governar.
A título de nota final, não existe
autodeterminação para um povo sob ditadura.
4 comentários:
Se abrir muito a boca acabará perdendo, porque ele é chato demais. Não o suporto mas entre ele e o Bolsonaro eu fico com ele. É menos maligano.
É será que ele vai roubar como roubou no passado? Para meu presidente falta vergonha na cara.
O outro, falta tudo, é um acidente de percurso.
Nem é escolha de Sofia é escolha entre dois imorais bestalhoes. Cada um mais insuportável do que o outro. Mas a Corte disse que está bem. Agora imagina essa Corte.
Bolsonaro só piorou o Brasil. É muito desumano e incompetente. Tinha tido 7 mandatos como deputado e não aprovou um projeto decente, suas participações sempre foram agressivas ou provocativas, é incapaz de construir políticas públicas ou planejar a administração. Governou com milicianos e religiosos safados...
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