Valor Econômico
Porque Michelle Bolsonaro é estratégica na
campanha de reeleição do marido
A pesquisa Datafolha divulgada nesta quinta
assinalou que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teria hoje 32% dos votos de
evangélicos e 47% da preferência total. No caso do presidente Jair Bolsonaro, o
apoio no meio evangélico sobe para 49% e entre o público em geral, 32%.
O resultado mostra que evangélicos e não
evangélicos parecem viver em mundos diferentes, um é o avesso do outro. No
mundo evangélico quem está às portas da vitória no primeiro turno é Bolsonaro.
Não há sinal mais eloquente para se constatar que neste segmento específico da
população a decisão de voto é tomada de forma muito diferente do que no do
restante da população.
Os evangélicos a si mesmos se denominam de rebanho, e os pastores desse rebanho, muitas vezes, recomendam o voto em Bolsonaro. É tentadora a explicação de que a preferência por Bolsonaro se deve a alguma espécie de obediência cega dos fiéis a guias como Edir Macedo, Silas Malafaia, bispo Waldomiro, apóstolo Estevam, reverendo R. R Soares e outros. Tão tentador quanto enganoso.
Sociólogo e pastor da Primeira Igreja
Presbiteriana Independente, uma confissão brasileira surgida de um cisma
presbiteriano em 1903, Valdinei Ferreira, de São Paulo, afirma que vem de
baixo, do chão dos templos e não dos púlpitos, uma posição política contra a
esquerda e, por exclusão, a favor de Bolsonaro.
“Fala-se muito na adesão dos pentecostais a
Bolsonaro, mas nos evangélicos das denominações históricas isso é ainda mais
forte”, comenta.
Outra pesquisadora, a antropóloga
Jacqueline Moraes Teixeira, professora da UnB e pesquisadora do Cebrap,
participou de pesquisas qualitativas com mulheres evangélicas em parceria com o
Iser, do Rio de Janeiro, e atesta: as pessoas não decidem o voto em Bolsonaro
apenas porque o líder de sua comunidade recomendou. Só o fazem quando recebem
informações, falsas ou verdadeiras, que indicam que qualquer outra opção que
não Bolsonaro podem colocar em xeque políticas que elas apoiam. É uma diferença
sutil: não há o voto de curral, mas há o voto de um público sugestionável a
mensagens que chegam no idioma que se entende na comunidade.
Bolsonaro fala a língua que é compreendida
dentro de uma narrativa muito antiga. Se encaixa na tradição da luta do bem
contra o mal, do conflito com o reino do materialismo, da promiscuidade, de
Satanás. Um maniqueísmo onde, conforme observa o pastor Ferreira, se esquece de
um preceito teológico, o de que o mal está dentro de cada um, e não
exteriorizado em um outro.
Neste sentido, segundo Ferreira, é
impossível entender a força de Bolsonaro entre os evangélicos sem lançar os
olhos para a sua mulher, Michelle. Bolsonaro, frise-se, é um político católico,
que até cerca de dez anos atrás nunca se notabilizou pela defesa das bandeiras
tradicionais do conservadorismo religioso e nem demonstrava essa religiosidade
em sua vida privada.
Michelle é uma evangélica raiz, como se diz
atualmente. Neste sentido, ela é a representante do povo de Deus dentro do
Palácio. Segundo o pastor, se assemelha no imaginário bíblico à figura de
Ester, do Antigo Testamento.
Ester, judia, casou-se com Assuero, o rei
dos medos e dos persas, um déspota afeito a alguns dos sete pecados. Tornou-se
a rainha. A sua capacidade de persuasão levou Assuero a se tornar de perseguidor
em protetor dos judeus, para desespero de seus adversários. Ester guiou a ação
de Assuero, sem nunca substituí-lo.
“O evangélico tende a se imaginar dentro da
Bíblia. Uma figura como Michelle é fundamental para garantir a aderência ao
projeto bolsonarista. Ela é a evangélica. Ele não”, comenta o pastor Ferreira.
A associação entre Michelle e a rainha
Ester também apareceu nos grupos de qualitativa com mulheres evangélicas,
segundo Jaqueline Teixeira. “É a figura que representa o compromisso com valores
maiores, já que o marido tem defeitos amplamente reconhecidos dentro da
comunidade”, diz.
Há ainda uma questão de identificação. O
antropólogo Juliano Spyer, pesquisador da UFRJ e criador do Observatório
Evangélico, um portal de informações, lembra que a onda evangélica no Brasil é
recente, tem suas raízes na migração do meio rural para as grandes cidades de
uma massa com baixa instrução e valores conservadores que se chocou com a
cultura das grandes cidades. Um aluvião humano que a Igreja Católica foi
incapaz de acompanhar.
Neste universo a pessoa evangélica típica é
mulher, não branca, distante das leituras. Reúne categorias do eleitorado muito
propensas a votar em Lula. É um contingente ainda relativamente jovem, na faixa
de 30 a 45 anos.
O peso do Nordeste é crescente. Não é
possível vislumbrar hegemonia evangélica em nenhuma região do Brasil, mas
especialistas apontam que é no Nordeste, um reduto lulista, que os evangélicos
se expandem com maior velocidade. Se o petista conta com cerca de um terço das
preferências no segmento evangélico, a razão principal aí está: nas mulheres,
nordestinas, pretas e pardas, de baixa instrução e baixa renda, muitas vezes
chefes da família e altamente sensíveis a políticas públicas na área social,
como transferência de renda, educação e saúde.
A principal arma que Bolsonaro tem para
sensibilizar um público com características tão próximas ao lulismo é a
primeira-dama.
“Michelle se aproxima muito desse perfil.
Ela não é alguém que aparece agora, desde o início do governo Bolsonaro tem
visibilidade com causas como direitos a portadores de deficiência. Então seu
surgimento na campanha não soa como estratégia eleitoreira”, diz Jaqueline.
A mulher evangélica, diz a pesquisadora, é
permeável a um tipo de agenda que não é a vocalizada pelo presidente, mas pode
ser representada pela sua cônjuge. É bom lembrar que Michelle, ao contrário do
marido, se vacinou contra a covid-19 e, de acordo com o próprio Bolsonaro, tem
aversão a armas.
2 comentários:
Bozo e Michelle são muito parecidos,a corda e a caçamba.
Uma mulher ser atraída pelo estilo "rústico" do genocida... Não pode ser normal...
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