sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Vera Magalhães - Debate é dever, não favor

O Globo

Confronto direto é ambiente para desmentir boatos e desmentir estratégias abaixo da linha da cintura

O Brasil regrediu a tal ponto em termos civilizatórios e de maturidade política que a ida de candidatos a presidente da República a debates virou praticamente um favor que esses políticos prestam à imprensa e ao eleitorado. Não é. Trata-se de um dever elementar de quem tem a pretensão de merecer o voto para comandar os destinos de um país da complexidade e do tamanho do Brasil por quatro anos.

É o que dá tratar candidato como pop star e eleição como futebol. Do seu ídolo você não cobra nada, porque você é fã. Você pode até ter raiva momentânea do seu time, mas segue torcendo mesmo na derrota. Transformado em torcedor, o eleitor atura que seu candidato aja com ele com o profundo desdém de imaginar que não precisa explicar o passado, se comprometer com o futuro ou dizer como e com que dinheiro cumprirá suas promessas.

O voto é considerado favas contadas, e é mais seguro, dizem marqueteiros e conselheiros de toda ordem, falar apenas em ambientes controlados, livres do confronto direto com adversários e do escrutínio da imprensa profissional.

A condição apresentada inicialmente para que o ex-presidente Lula participasse de debates no primeiro turno era a realização de pools, arranjos pelos quais vários órgãos de comunicação se unem para a transmissão simultânea. Com isso, a agenda do candidato ficaria livre para outros compromissos.

Dada a profusão de debates propostos no primeiro momento, sugestão bastante razoável. Está, ademais, em linha com o que se pratica em democracias consolidadas, como os Estados Unidos. Tão razoável era a ideia que foi acatada. Os jornais propuseram repetir o consórcio de veículos de imprensa que apura dados da pandemia. Duas emissoras, um jornal e um portal formaram outro pool.

Lula e Jair Bolsonaro se esquivaram do confronto proposto pelos jornais. Agora, a dois dias da realização do debate do segundo pool, a cujas reuniões compareceram até o final, não se tem certeza quanto à participação de nenhum deles, que, hoje, concentram mais de 75% dos votos indicados pelos eleitores em pesquisas.

Rivais como Ciro Gomes e Simone Tebet, hoje em franca desvantagem segundo esses levantamentos de intenção de voto, têm razão em reclamar da esquiva dos líderes da disputa a se submeter ao encontro.

Há na História brasileira desde a redemocratização exemplos de debates cruciais para o eleitor definir seu voto, como o que se deu entre o próprio Lula e Fernando Collor em 1989, ou aqueles que opuseram Mário Covas e Paulo Maluf nos anos 1990, na disputa pelo governo de São Paulo.

O fato de as redes sociais e formas alternativas de comunicação com o eleitor terem ganhado relevo em 2022 não suprime a importância de colocar candidatos com retrospectos, posições ideológicas e propostas sociais e econômicas tão díspares frente a frente, para que questionem um ao outro quanto a seus calcanhares de aquiles e às inconsistências de seus discursos.

Ainda está em curso a negociação para que os candidatos abandonem o cálculo imediatista de riscos, a postura defensiva e decidam honrar o compromisso e o dever de ir ao primeiro debate da campanha neste domingo.

Lula, sobretudo, parece mais propenso a participar, o que seria importante num momento em que a distância entre ele e Bolsonaro se reduz, e o adversário vem conseguindo, por meio do uso de fake news, ampliar a vantagem contra ele em grupos como os evangélicos.

O debate é o ambiente por excelência para desmentir boatos e apontar cara a cara as estratégias de campanha abaixo da linha da cintura.

Como Bolsonaro teme mais que tudo a fama de que tem medo de Lula, a decisão do petista de comparecer deverá impulsioná-lo a fazer o mesmo. Que assim seja. Mas o amadurecimento da democracia precisa levar os políticos brasileiros a ver o debate não como um jogo de perdas e ganhos ou de quem pisca primeiro, mas como um dever com o eleitor de que não podem se furtar.

 

2 comentários:

Anônimo disse...

Eleição no Brasil baniu a ordem dos fatores, para concordar com a Corte, honestíssima, por sinal, ah! Sei. Agora significa escolher entre ladões o menos pior. E isso são candidatos?
Só aqui mesmo, no Brasil, país onde cada ladrao é pior que o outro e cada um com memória mais curta que o outro.

ADEMAR AMANCIO disse...

O debate de Lula e Collor em 1989 foi editado pela Globo,diga-se.