sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Reinaldo Azevedo - STF vigia, mas não define Orçamento

Folha de S. Paulo

Para petista, prioridade é PEC da Transição para tornar governo viável

O chamado orçamento secreto, como poderia escrever Karl Marx em "O 18 Brumário de Luís Bonaparte", "caiu da árvore do conhecimento e não da árvore da vida". Não derivou de nenhum fatalismo oriundo da natureza das coisas, mas foi uma construção num momento notavelmente conturbado da República, em que o sistema de freios e contrapesos deixou de ter uma funcionalidade orgânica. Tudo passou a depender da vontade e disposição para a intervenção, legal ou não. Lava Jato e governo Bolsonaro nos empurraram para a tentação da entropia permanente.

O agigantamento das chamadas emendas do relator nasceu da disposição estúpida de Jair Bolsonaro e de seus pensadores de não negociar com partidos. Ainda me lembro de Paulo Guedes, com sua baixíssima tolerância para a contradita —tem sempre a convicção de um Napoleão diante do inverno russo—, a dizer que o novo governo conquistaria votos nas "bancadas temáticas", o que denota ignorância absoluta sobre o Legislativo.

Logo depois da eleição do "Mito", em 2018, o então futuro ministro defendia, contra a vontade de bolsonaristas graúdos, a aprovação da reforma da Previdência ainda no governo Temer. Com a clarividência habitual —"mais do que promete a força humana", como escreveu o bardo—, disse esta maravilha: "A bola está com eles [Congresso]. Prensa neles!" Referindo-se a si mesmo na terceira pessoa, momento em que o corso vira Pelé da economia, mandou ver: "Se você perguntar para o futuro ministro, ele está dizendo o seguinte: ‘Prensa neles, pede a reforma, pede a reforma; é bom para todo mundo!" Onyx Lorenzoni, já escolhido para a Casa Civil, pregava o contrário. A questão ficou para o ano seguinte.

Todos os lugares são um destino quando não se sabe aonde ir. Num jantar com conservadores, em Washington, em março de 2019, Bolsonaro, ladeado por Olavo de Carvalho e pelo bandido internacional Steve Bannon, anunciou o desastre entrópico: "O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa. Para depois nós começarmos a fazer." Em 26 de maio daquele ano, patrocinou o primeiro ato golpista.

O dito orçamento secreto é fruto da experiência. Foi o preço imposto pelo centrão para blindar um delinquente político. A maioria congressual protegeria o presidente dos crimes quase cotidianos de responsabilidade que cometia —o Código Penal, por sua vez, ficou sob o descuidado da Procuradoria-Geral da República.

Foi o andamento da política que permitiu ao Congresso se assenhorear de mais recursos —e, na sua raiz, gostemos ou não, estão escolhas feitas pelos brasileiros. Parece-me impróprio que um novo peso se coloque sobre os ombros já largos do STF, atribuindo-lhe a tarefa de manter ou mudar o volume de recursos da tal rubrica RP9. A distribuição e aplicação do dinheiro devem, aí sim —e esta é tarefa do tribunal—, obedecer à disciplina do artigo 37 da Constituição, o que absolutamente não acontecia. O sigilo das demandas, como havia, alimentou uma indústria criminosa, o que resta mais do que provado.

O que veio à luz (procurem detalhes) sobre uma nova disciplina na distribuição da RP9 —no papel, garantem-se transparência, eficiência e equidade— parece-me atender ao que dispõe o texto constitucional, e entendo ser esse o limite do tribunal, não devendo se arvorar em instância revisora da peça orçamentária, ainda que isso pudesse ser do nosso gosto.

E quanto a Lula? Deve se lançar de peito aberto no embate? Não. Que fique longe da questão. Tornar inviável o próprio governo, logo à partida, por uma questão de princípio, seria burrice, não nobreza de espírito. Quis a coincidência de datas que essa questão se misturasse com a votação da PEC da Transição, que tem prioridade. É o instrumento primeiro para começar a pôr ordem na herança maldita. Bolsonaro está mudo, e isso é uma bênção. Ocorre que o governo também entrou em greve. A PEC prevê um mecanismo para ajudar a fechar as contas deste ano, evidências do descalabro. "Ah, mas o volume das emendas do relator é excessivo". Também acho. É preciso produzir um novo conhecimento para mudar essa realidade, e essa é uma tarefa da política, não do Judiciário.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Reinaldo Azevedo entende das coisas.