O Estado de S. Paulo
É na reforma política e institucional que
devemos buscar o caminho para não persistir nos erros de sempre.
O Brasil não é atrasado por acaso. Em quase
800 páginas, Marcos Mendes e 32 colaboradores fazem uma autópsia minuciosa de
24 políticas econômicas e sociais que, nos últimos 20 anos, levaram à
insolvência do Estado, à estagnação econômica e à persistência da pobreza. Os
temas são os incentivos fiscais, créditos direcionados, protecionismo
econômico, empresas estatais, previdência social e educação, entre outros.
A corrupção é mencionada, mas o que mais preocupa são políticas que, mesmo quando bem intencionadas, resultam de concepções erradas sobre a capacidade do setor público de intervir e comandar a economia; políticas que não se baseiam em análises adequadas dos problemas que se tenta resolver; e a falta de mecanismos de acompanhamento de resultados e correção de erros. Em comum, essas políticas compartem a ideia de que são os gastos públicos, não a produtividade, que criam riqueza; que os recursos públicos são infinitos; atendem a grupos ou setores mais articulados, cujos interesses acabam prevalecendo sobre os da grande maioria que não consegue se organizar; e, uma vez implantadas, tendem a persistir, mesmo quando sua ineficiência e seus efeitos negativos se tornam evidentes.
Minha contribuição para o livro foi o
capítulo sobre a expansão da educação superior, cujas matrículas passaram de
2,7 milhões para 8 milhões entre 2000 e 2015. Não é que a expansão não fosse
necessária: o número de pessoas com formação superior no Brasil é ainda
pequeno, há uma busca crescente, da população, pelos empregos e o reconhecimento
social trazidos pelos títulos superiores, e o País precisa de profissionais
mais competentes. Mas pretender dar “universidade para todos” é simplesmente
vender ilusões, a alto preço.
Nos países desenvolvidos, a proporção de
pessoas com diploma superior dificilmente passa de 40%, e isso graças a uma
combinação de universidades tradicionais, grande oferta de cursos profissionais
curtos e a existência de um amplo sistema de educação superior básica, como
os community colleges de 2 anos ou 4 anos nos Estados Unidos e o
ciclo inicial de 3 anos do Modelo de Bolonha na Europa. No Brasil, as escolas
técnicas federais, que poderiam ter sido o embrião de um amplo sistema público
de formação profissional, foram transformadas em institutos semelhantes às
universidades federais, concebidas como instituições elitistas nos anos 60, que
custam cada vez mais e mal conseguem atender a 20% das matrículas. O setor
privado, que cresceu por atender como seja à demanda da sociedade por mais
educação, passou a ser subsidiado por isenções fiscais e um sistema de crédito
educativo garantido pelo governo que cresceu exponencialmente até explodir.
Tudo isso em cima de um ensino médio precário, em que metade ou mais dos alunos
terminam sem um mínimo de competências em leitura, Matemática e Ciências.
O resultado foi um sistema inchado, em que
milhões se candidatam todos os anos às 300 mil vagas do sistema federal, os que
não passam desistem ou se matriculam no sistema privado, cerca de metade
abandona antes de terminar e mais da metade dos que se formam acaba trabalhando
em atividades de nível médio.
Outros capítulos tratam do sistema de
financiamento da educação básica, o Fundeb; do piso nacional dos professores; e
do Pronatec, o programa de apoio à educação técnica e profissional. Em todos,
existia uma boa intenção inicial, que acabou sendo desvirtuada em todo ou parte
pela falta de objetivos claros, de análise adequada e de acompanhamento de
resultados e pela captura dos recursos disponíveis por determinados setores, em
detrimento do interesse geral. Ficou faltando, ainda, nesta lista o programa
Ciência Sem Fronteiras, em que cerca de R$ 10 bilhões foram gastos em poucos
anos em bolsas no exterior sem maior benefício para o País.
Em toda parte, políticas públicas são
objeto de grupos de interesse, e as pressões de cada dia dificultam o
planejamento e as políticas públicas de longo prazo. Mas, nos países que
conseguem se desenvolver, a capacidade técnica do Poder Executivo de elaborar
políticas públicas de qualidade e acompanhar seus resultados é protegida do
vaivém dos lobbies e da política do dia a dia por um sistema adequado de
negociação, equilíbrio e separação entre os Poderes. Nesses países, também, a
intervenção do Estado na economia tende a ser limitada e o sistema legal garante
a estabilidade e a previsibilidade da iniciativa privada.
Vários setores da administração pública
brasileira têm hoje capacidade técnica semelhante à dos países desenvolvidos,
mas grande parte da máquina pública é ainda capturada por grupos de interesse.
A fragmentação do sistema partidário impede que o Executivo tenha sustentação
para políticas de longo prazo, e as incertezas jurídica, financeira e
tributária fazem com que grande parte do setor privado dependa de favores e
privilégios dos governos, mais do que de sua produtividade, para sobreviver. É
na reforma política e institucional, em última análise, que devemos buscar o
caminho para não persistir nos erros de sempre.
*Sociólogo, é membro da Academia Brasileira de Ciências
Um comentário:
Colocar na prática é sempre mais complicado que teorizar,não que formular teorias seja fácil...
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