Para Marcos Nobre, governo pode perder autoridade se não enfrentar segmentos mais radicais
Naief Haddad / Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - "Há uma
oportunidade sem igual para o sistema político, especialmente para o governo Lula, enfrentar
e isolar essa extrema direita que quer o golpe já. É possível partir para uma
defesa da democracia muito mais robusta do que a que foi feita até agora."
A indicação de um dos caminhos que se abrem
depois dos ataques
golpistas promovidos por bolsonaristas no domingo (8) em Brasília é de Marcos
Nobre, presidente do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e
professor de filosofia da Unicamp.
"O governo não pode ficar dependente
de um ministro do STF
[Supremo Tribunal Federal], não tem cabimento", diz ele em referência
a Alexandre
de Moraes, relator na corte de inquéritos que miram os núcleos golpistas
do bolsonarismo.
Existe, porém, o outro lado da moeda, pondera Nobre, autor de livros de análise sobre a turbulenta vida política recente do país, como "Limites da Democracia" (2022) e "Ponto-final: a Guerra de Bolsonaro contra a Democracia" (2020). Caso esse enfrentamento não seja feito de maneira rigorosa, há chance de o governo federal "perder totalmente a sua autoridade logo no começo da gestão. Esse é o dilema em que estamos agora".
Para Nobre, assistimos a "um processo
de escárnio contra as instituições. [Os bolsonaristas radicais] estão contando
que não serão responsabilizados. Se não forem mesmo, eles saem desse episódio
como os ganhadores".
Não é por acaso que o autor fala em uma ala
específica, "a extrema direita que quer o golpe já", como indicado no
primeiro parágrafo. Segundo ele, há um racha dentro desse espectro político, a
direita mais radical, que se fortaleceu consideravelmente sob o governo de
Jair Bolsonaro (PL).
"Em 2018, com a vitória de Bolsonaro,
a extrema direita ganhou hegemonia sobre o campo mais amplo da direita. E agora
existe uma disputa dentro dessa direita mais radical", afirma.
Em linhas gerais, ela está fatiada em três
correntes: "Há uma extrema direita que diz ‘espera, a gente dá o troco em
2026 ou, ao longo do mandato, a gente faz o impeachment do Lula’ [sob esse
ângulo, Valdemar
Costa Neto, presidente do PL, é um representante desse subgrupo]; tem uma
parte que defende golpe já [aqui estão os vândalos que atacaram a Praça dos
Três Poderes]; e existe a versão Bolsonaro, que estimula os outros dois
lados".
De acordo com o professor, é fundamental
para o ex-presidente preservar a unidade dessa direita mais radical em torno
dele, o que o leva a manter um pé em cada canoa: um na do "golpe já"
e outro naquela que Nobre chama de "golpe institucional", que visaria
o impeachment de Lula ou a disputa em 2026.
Miguel
Lago, cientista político e professor da Universidade Columbia, em Nova
York, concorda que surge uma "oportunidade histórica" (palavras de
Marcos Nobre) de isolar essa direita mais radical. Para ele, há uma
"chance única de união da classe política e da sociedade civil não
bolsonarista em torno de Lula".
O vandalismo do grupo bolsonarista no
domingo "foi também um ataque à classe política, que, como todas as
classes, é corporativista. Ainda que seja por pouco tempo, ela vai se unir em
torno do atual presidente", diz Lago, diretor-executivo do Ieps (Instituto
de Estudos para Políticas de Saúde) e um dos autores do livro "Linguagem
da Destruição - A Democracia Brasileira em Crise".
Ele observa, porém, que o radicalismo à
direita também está presente em áreas da administração pública de menor
visibilidade —e aí mora o problema. "Isolar a extrema direita é possível
dentro da classe política, mas não sei se é viável dentro do governo, nas
carreiras de Estado. Existe um bolsonarismo muito arraigado entre os
funcionários concursados", afirma.
Lago dá como exemplo a inação de órgãos
como o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) e o departamento de
inteligência da Polícia Militar do Distrito Federal em meio às invasões em
Brasília. "É impossível que não soubessem o que estava acontecendo. Isso é
grave. Esses setores estão ligados ao bolsonarismo, é preciso que sejam
desideologizados."
Uma das perguntas que têm acompanhado os
desdobramentos do 8 de janeiro é: Bolsonaro está mais fraco do ponto vista
político? Por enquanto, não, responde Miguel Lago.
"Pode haver um enfraquecimento, mas
isso só vai acontecer se as pessoas que o seguem se sentirem traídas por
ele", diz o cientista político.
"Temos uma tendência, que é perigosa,
de olhar certos números e fazer perguntas que não convém. Li que mais de 90%
dos brasileiros condenam os atos de domingo. Não há dúvida, todos condenam,
mas não é essa a pergunta importante a ser feita. Deveria ser: ‘O que aconteceu
no domingo faz com que você nunca mais vote no Bolsonaro?’. Há muita gente que
reprova o que ocorreu, mas vai continuar apoiando o Bolsonaro."
Marcos Nobre faz avaliação semelhante.
"A família Bolsonaro tem uma posição institucional muito boa. Contam com
muitos recursos e mecanismos para ir para cima do governo Lula como poucas
forças de oposição tiveram no país desde a redemocratização."
Um comentário:
Alerta a pensar
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