sexta-feira, 21 de julho de 2023

Pedro Doria - Como a internet criou radicais

O Globo

A ausência de jornalismo torna mais difícil distinguir o que separa extremistas de moderados

Existe uma correlação direta entre o declínio de jornais locais em cidades pequenas e médias, a entrada da internet e a polarização política. É a conclusão que dá para tirar de uma série de estudos que vêm sendo publicados desde 2018 pelo economista Gregory Martin, professor da Universidade Stanford. São números referentes ao mercado americano. Mas, ainda assim, não é difícil perceber por ali possíveis correlações com o que vem acontecendo no Brasil.

Seu paper mais recente, de abril último, mostra o impacto do site Craigslist ao longo das últimas duas décadas. Não tivemos nada como ele no Brasil — num momento ainda anterior às redes sociais, Craigslist ofereceu espaço com anúncios locais, quase sempre de graça, em todos os Estados Unidos. O impacto econômico nos jornais locais, em que os cadernos de classificados pagavam um bom naco da conta, foi imenso. O mesmo se deu no Brasil um tico depois, com o baixo custo de publicidade on-line oferecida por Google e Facebook. Aqui teve a mesma consequência: secou uma das principais fontes de renda de todos os jornais, levando principalmente em cidades pequenas ao desaparecimento de muitos títulos.

Os títulos que sobreviveram tiveram de secar sua produção. Repórteres, redatores e editores foram demitidos em massa, e o resultado foi que a cobertura local de noticiário diminuiu. Há menos gente atenta ao que ocorre nas Câmaras Municipais, nas prefeituras, as histórias da vizinhança vão aos poucos desaparecendo, pois não há quem as conte. Mas essa é a parte para a qual a literatura acadêmica já tinha muitos indícios. O efeito político do desaparecimento do noticiário local é que é pouco compreendido. E ele existe.

Com menos informação a respeito de políticos locais, melhorou a performance daqueles políticos com discursos mais extremados quando comparados aos moderados. É possível perceber esse padrão, pois, nas cidades onde os jornais locais aguentaram mais o tranco, o fenômeno não se repetiu. A existência de uma imprensa que pressiona candidatos a respeito de suas posições faz, concretamente, diferença. A ausência de jornalismo, por outro lado, torna mais difícil distinguir o que separa extremistas de moderados. A hipótese levantada pelo estudo é que se trata, inicialmente, de um jogo de probabilidade. As chances de candidatos extremistas se lançarem e sobreviverem às agruras da campanha aumentam conforme há menos informação circulando.

Não é só. Com o tempo, os eleitores também se radicalizaram. Se antes era comum quem votasse tanto no Partido Republicano quanto no Democrata, variando na escolha dos candidatos de acordo com o cargo, isso foi desaparecendo. O voto num candidato à Presidência começou a se aproximar cada vez mais do voto em políticos locais. Ou seja, a política se radicalizou e, simultaneamente, se nacionalizou. Os temas locais desapareceram, e as grandes disputas ideológicas sobre temas relacionados a comportamento e organização social se impuseram. E dominaram o debate político.

Por aqui, não há estudo similar. Seria difícil repeti-lo, embora não impossível. Mas temos o fenômeno: a internet mudou de tal forma o mercado de anúncios que desestruturou economicamente jornais grandes e pequenos. No caso dos pequenos, quando não os matou, feriu de morte. Somos perfeitamente capazes de enxergar, também, a consequência. Nossa política se radicalizou, se nacionalizou, e grandes temas locais sumiram.

Não é absurdo imaginar que cá, como lá, o fenômeno e o resultado possam ter relação de causa e consequência.

 

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