Folha de S. Paulo
As redes sociais são para Bolsonaro o que o
cinema foi para Hitler
A reportagem de Juliana Dal Piva e da
Agência Pública ("Eduardo Bolsonaro foi em missão oficial ver argentino que
mentiu sobre urna"), publicada nesta segunda no portal UOL, veio em
boa hora; boa hora para lembrar que o Brasil sofreu uma tentativa de golpe
contra seu sistema eleitoral.
O lado bolsonarista partia de uma certeza: se perdessem, é porque as eleições foram roubadas. Faltava apenas encontrar uma história convincente. Descredibilizar as urnas era parte do plano. Era preciso ter alguma narrativa que justificasse o desrespeito ao resultado das eleições, e uma parte relevante da população que apoiasse essa narrativa. Qual mentira ia colar era o de menos; o importante era que alguma colasse.
Esse trabalho começou antes das eleições,
com os relatos do próprio Bolsonaro de que um hacker adulterara os resultados
do primeiro turno em 2018. Passou
pela acusação de sua equipe de comunicação de
que rádios interioranas não veiculavam as inserções de campanha.
Uma vez perdida a eleição de 2022,
começaram as teorias de fraude nas urnas. Houve um modelo matemático que
"provava" que os números de votos eram falsos, e houve também o
ilustre "relatório do argentino", com o (suposto) especialista
Fernando Cerimedo.
Era tudo invenção, claro, mais uma vez
refutado pela Justiça Eleitoral e pela imprensa em questão de dias, o que não
impediu de as mesmas teses serem requentadas pelo PL no malfadado
processo que resultou numa multa de R$ 22 milhões ao partido.
Cerimedo, o argentino, não era especialista
nenhum, e sim um comunicador político alinhado à direita populista e amigo
de Eduardo
Bolsonaro, que fez viagem oficial para conversar com ele, conforme
revelado na reportagem.
Em paralelo a isso, corria a tentativa de
persuadir generais a dar o golpe, apelando a uma leitura fajuta do artigo 142
da Constituição, conforme o coronel Jean Lawand pediu com tanta ênfase ao
ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid.
Por não confiar no Alto Comando do Exército
—ao menos essa foi a justificativa de Cid— Bolsonaro não deu a ordem para o
golpe. O passo de desespero final, nas palavras de Lawand, era o povo entrar em
campo: "Então ferrou. Vai ter que ser pelo povo mesmo". E "o
povo" bem que tentou, no dia 8 de janeiro, provocar uma reação das Forças
Armadas que, felizmente, não veio.
Mas aquele povo ali, milhares de pessoas
completamente fanatizadas pelo discurso bolsonarista, não brotou do nada. Foi o
resultado de um longo trabalho de redes sociais.
O uso de desinformação digital foi a tônica
do bolsonarismo desde a campanha de 2018, que inundou o debate eleitoral de
mentiras e fake news numa escala jamais vista. Uma vez no governo, as táticas
se intensificaram. Milícias digitais que produziam e difundiam conteúdo
calunioso contra opositores. "Troll farms", empresas que controlam
milhares de perfis em redes sociais para manipular o debate público, criando
uma impressão de onipresença da opinião artificialmente impulsionada. O
receituário foi o mesmo no mundo todo. Mesmo tendo derrotado o golpe, pagamos o
preço ainda com um eleitorado fanatizado e descrença generalizada em toda e
qualquer instituição.
O cinema, nas mãos da máquina de propaganda
de Hitler, teve um poder que ele hoje jamais poderia ter. Aquela linguagem já
se tornou parte de nosso repertório. Haverá alguma regra geral de que os mais
inescrupulosos são mais rápidos em dominar novas tecnologias? Estamos ainda
aprendendo a digerir essa nova realidade. E mapear as condutas mais danosas
para neutralizá-las é parte desse aprendizado
2 comentários:
E o MAV e a Caixa são pra Lula.
MAM
Valeu.
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