Valor Econômico
Cassação de Moro e suspensão de multas são
fim melancólico da maior operação contra a corrupção da história
Surpresa e suspense são dois ingredientes
fundamentais para o sucesso de qualquer filme. A capacidade de fisgar o
espectador guarda uma relação direta com a quantidade de reviravoltas na
história e a expectativa sobre quem será a próxima vítima ou qual o destino dos
principais personagens.
Iniciada há uma década, a Operação Lava-Jato
explorou com maestria esses dois componentes para, ao mesmo tempo, angariar o
apoio da opinião pública e maximizar os resultados das suas investigações.
A sinopse era atraente: Implacáveis delegados da Polícia Federal e procuradores do Ministério Público Federal, seguindo o caminho do dinheiro, foram desvendando uma teia de relacionamentos entre empreiteiros, políticos e doleiros que lesavam os cofres públicos em bilhões de reais. Um juiz frio e calculista não se dobrava à pressão de poderosos e expedia mandados de busca e apreensão, prisões temporárias e condenações num ritmo frenético, limpando a política brasileira da corrupção.
Como episódios de uma série eletrizante, cada
fase da Operação trazia novos personagens para a trama e elementos inéditos
para os processos. Poderosos dormiam sobressaltados com a possibilidade de
serem acordados pelos agentes da PF, enquanto o medo de passar anos na cadeia
levou dezenas de investigados a procurarem os integrantes da força-tarefa para
firmar acordos de delação premiada.
Durante anos, a população brasileira
acompanhou atônita, em tempo real, os novos desdobramentos da operação,
vibrando com o espetáculo inédito de assistir a políticos e executivos vendo o
sol nascer quadrado devido a desvios de dinheiro público.
A política entrou em parafuso. A cada leva de
delações, novos figurões eram envolvidos, sem distinção de partido: PT, PMDB,
PP, DEM, PSDB, Republicanos, PCdoB, PSB... O presidente da Câmara aceita um
pedido de impeachment contra a presidente da República, mas é afastado do cargo
pelo Supremo antes do fim do julgamento. O vice-presidente assume o governo, e
meses depois é grampeado por um empresário fazendo pedidos suspeitos,
deflagrando uma nova crise. Haja criatividade para esse roteirista!
Tornando a história ainda mais incrível, uma
tragédia inesperada: no meio do processo, o relator morre num desastre aéreo.
Atentado ou acidente?
Houve também lances de humor, como na
revelação dos apelidos usados pelo “Departamento da Propina” da construtora
Odebrecht para políticos: Boca Mole, Decrépito, Esquálido, Misericórdia,
Nervosinho, e por aí vai.
O drama da Lava-Jato e das operações que dela
derivaram se arrastou por várias temporadas, e muita gente acreditou que, pela
primeira vez, o desfecho seria diferente. Os números falavam por si: no fim de
seu quinto ano, haviam sido firmados 183 termos de colaboração premiada, 12
acordos de leniência com empresas, 155 pessoas haviam sido condenadas e R$ 13
bilhões foram recuperados até então.
Mas, como é bem comum nas produções
cinematográficas, a Lava-Jato se tornou refém do próprio sucesso. Celebrados
como heróis nacionais, os protagonistas da operação se perderam nos personagens
que criaram para si mesmos.
Ao pedir exoneração como juiz federal e
deixar o comando dos processos da 13ª Vara em Curitiba para se tornar ministro
da Justiça de Jair Bolsonaro, Sergio Moro perdeu o controle da narrativa.
Ao se aliar a um dos lados da polarização
política, o ex-juiz deu razão àqueles que sempre desconfiaram de seus
verdadeiros propósitos. Para parte da população, a entrada de Moro no governo
Bolsonaro deixava claro que todo aquele circo foi armado com um único
propósito: tirar o PT do poder e prender Lula.
E aí tivemos o maior “plot twist” da
história. Pela ação de um hacker, dezenas de terabytes de mensagens privadas
trocadas entre os integrantes da força-tarefa e o então juiz Moro foram vazadas
para o canal Intercept Brasil.
Como num spin-off da saga principal, foi a
vez de o país parar para acompanhar, durante semanas, as trocas de mensagens
que denunciavam a falta de isenção de investigadores e julgador, dando munição
aos críticos de seus métodos e propósitos.
Heróis tornaram-se vilões, e a história tomou
rumo completamente diferente. Personagens mudaram de lado e de destino:
ministros do Supremo que ratificavam todas as decisões de Moro assumiram o
papel de garantistas, condenações foram desfeitas, o advogado de defesa de Lula
acabou nomeado para o STF e as multas bilionárias aplicadas às empresas começam
a ser suspensas e anuladas.
Como numa série que perde audiência de tão
inverossímeis que são suas reviravoltas, a história da Lava-Jato se arrasta
para um final melancólico.
Vítima de sua desmedida ambição, Moro caminha
para a cassação de seu mandato de senador, tal qual seu antigo parceiro Deltan
Dallagnol.
Políticos e executivos comemoram um final
feliz, com o STF declarando que toda aquela corrupção não passou de ficção.
Sem nenhum legado institucional, tudo o que
foi revelado pela Lava-Jato e pela Vaza-Jato terminou reduzido a mero
entretenimento, a um espetáculo político que mantém há dez anos o país dividido
em dois lados, cada qual considerando como ídolos aqueles que, no outro polo,
são tidos como bandidos de estimação.
*Bruno Carazza é professor associado da Fundação Dom Cabral e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
3 comentários:
Excelente texto !
■■■Entretenimento!!!
O COMBATE À CORRUPÇÃO COMO ENTRETENIMENTO ?
■■■Tem sido estarrecedor assistir à desmontagem da Lava Jato e à desmontagem de todo o aparato de combate à corrupção...
....■Foi estarrecedor assistir à desmontagem das estruturas de combate à corrupção iniciadas por Jair Bolsonaro e pelo seu indicado Procurador Geral da República, Augusto de Aras...
...■E está sendo estarrecedor assistir ao aprofundamento desta desmontagem por Lula, e com perseguição aos que desmascararam a delinquência com dinheiro público na casa de $Bilhões.
■■Pode-se ter diferenças ideológicas, como eu tenho, com o ex-juiz Sérgio Moro e com Deltan Delagnol, e as diferenças políticas podem ser até bem grandes.
=》Mas pior que um político com quem se tem diferença é um político (ou empresário, ou doleiro, ou ...) que ROUBA dinheiro que poderia ter servido para comprar respiradores para hospitais e salvado milhares de vida dirante a pandemia; ... ou servido para que não faltasse dinheiro para pagar o Bolsa Escola em certos meses de 2014 (Bolsa Família ou Auxílio Brasil uma ova!); ... ou ser usado em política de segurança; ... ou para pesquisa acadêmica;... ou...
■Estes caras transformaram uma montanha de dinheiro em Tríplex, em Sítios, em Caixas, Maletas e Cuecas entupidas de dinheiro na Bahia, no Rio, no Ceará, no Pará, em São Paulo, usaram para gastar em campanha...
■■Entretenimento?
■Está sendo estarrecedor!
Isto tem que mudar!
Estes dois populistas corruptos têm que sair da política e ir para a cadeia.
■Tanto mais que suas políticas econômicas populistas estão destruindo o Brasil.
Saudade de um País onde o mal maior era só corrupção,ação corriqueira em todos os governos.
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