segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Bruno Carazza* - Última temporada, episódio final

Valor Econômico

Cassação de Moro e suspensão de multas são fim melancólico da maior operação contra a corrupção da história

Surpresa e suspense são dois ingredientes fundamentais para o sucesso de qualquer filme. A capacidade de fisgar o espectador guarda uma relação direta com a quantidade de reviravoltas na história e a expectativa sobre quem será a próxima vítima ou qual o destino dos principais personagens.

Iniciada há uma década, a Operação Lava-Jato explorou com maestria esses dois componentes para, ao mesmo tempo, angariar o apoio da opinião pública e maximizar os resultados das suas investigações.

A sinopse era atraente: Implacáveis delegados da Polícia Federal e procuradores do Ministério Público Federal, seguindo o caminho do dinheiro, foram desvendando uma teia de relacionamentos entre empreiteiros, políticos e doleiros que lesavam os cofres públicos em bilhões de reais. Um juiz frio e calculista não se dobrava à pressão de poderosos e expedia mandados de busca e apreensão, prisões temporárias e condenações num ritmo frenético, limpando a política brasileira da corrupção.

Como episódios de uma série eletrizante, cada fase da Operação trazia novos personagens para a trama e elementos inéditos para os processos. Poderosos dormiam sobressaltados com a possibilidade de serem acordados pelos agentes da PF, enquanto o medo de passar anos na cadeia levou dezenas de investigados a procurarem os integrantes da força-tarefa para firmar acordos de delação premiada.

Durante anos, a população brasileira acompanhou atônita, em tempo real, os novos desdobramentos da operação, vibrando com o espetáculo inédito de assistir a políticos e executivos vendo o sol nascer quadrado devido a desvios de dinheiro público.

A política entrou em parafuso. A cada leva de delações, novos figurões eram envolvidos, sem distinção de partido: PT, PMDB, PP, DEM, PSDB, Republicanos, PCdoB, PSB... O presidente da Câmara aceita um pedido de impeachment contra a presidente da República, mas é afastado do cargo pelo Supremo antes do fim do julgamento. O vice-presidente assume o governo, e meses depois é grampeado por um empresário fazendo pedidos suspeitos, deflagrando uma nova crise. Haja criatividade para esse roteirista!

Tornando a história ainda mais incrível, uma tragédia inesperada: no meio do processo, o relator morre num desastre aéreo. Atentado ou acidente?

Houve também lances de humor, como na revelação dos apelidos usados pelo “Departamento da Propina” da construtora Odebrecht para políticos: Boca Mole, Decrépito, Esquálido, Misericórdia, Nervosinho, e por aí vai.

O drama da Lava-Jato e das operações que dela derivaram se arrastou por várias temporadas, e muita gente acreditou que, pela primeira vez, o desfecho seria diferente. Os números falavam por si: no fim de seu quinto ano, haviam sido firmados 183 termos de colaboração premiada, 12 acordos de leniência com empresas, 155 pessoas haviam sido condenadas e R$ 13 bilhões foram recuperados até então.

Mas, como é bem comum nas produções cinematográficas, a Lava-Jato se tornou refém do próprio sucesso. Celebrados como heróis nacionais, os protagonistas da operação se perderam nos personagens que criaram para si mesmos.

Ao pedir exoneração como juiz federal e deixar o comando dos processos da 13ª Vara em Curitiba para se tornar ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, Sergio Moro perdeu o controle da narrativa.

Ao se aliar a um dos lados da polarização política, o ex-juiz deu razão àqueles que sempre desconfiaram de seus verdadeiros propósitos. Para parte da população, a entrada de Moro no governo Bolsonaro deixava claro que todo aquele circo foi armado com um único propósito: tirar o PT do poder e prender Lula.

E aí tivemos o maior “plot twist” da história. Pela ação de um hacker, dezenas de terabytes de mensagens privadas trocadas entre os integrantes da força-tarefa e o então juiz Moro foram vazadas para o canal Intercept Brasil.

Como num spin-off da saga principal, foi a vez de o país parar para acompanhar, durante semanas, as trocas de mensagens que denunciavam a falta de isenção de investigadores e julgador, dando munição aos críticos de seus métodos e propósitos.

Heróis tornaram-se vilões, e a história tomou rumo completamente diferente. Personagens mudaram de lado e de destino: ministros do Supremo que ratificavam todas as decisões de Moro assumiram o papel de garantistas, condenações foram desfeitas, o advogado de defesa de Lula acabou nomeado para o STF e as multas bilionárias aplicadas às empresas começam a ser suspensas e anuladas.

Como numa série que perde audiência de tão inverossímeis que são suas reviravoltas, a história da Lava-Jato se arrasta para um final melancólico.

Vítima de sua desmedida ambição, Moro caminha para a cassação de seu mandato de senador, tal qual seu antigo parceiro Deltan Dallagnol.

Políticos e executivos comemoram um final feliz, com o STF declarando que toda aquela corrupção não passou de ficção.

Sem nenhum legado institucional, tudo o que foi revelado pela Lava-Jato e pela Vaza-Jato terminou reduzido a mero entretenimento, a um espetáculo político que mantém há dez anos o país dividido em dois lados, cada qual considerando como ídolos aqueles que, no outro polo, são tidos como bandidos de estimação.

*Bruno Carazza é professor associado da Fundação Dom Cabral e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.

3 comentários:

Mais um amador disse...

Excelente texto !

Anônimo disse...

■■■Entretenimento!!!
O COMBATE À CORRUPÇÃO COMO ENTRETENIMENTO ?

■■■Tem sido estarrecedor assistir à desmontagem da Lava Jato e à desmontagem de todo o aparato de combate à corrupção...

....■Foi estarrecedor assistir à desmontagem das estruturas de combate à corrupção iniciadas por Jair Bolsonaro e pelo seu indicado Procurador Geral da República, Augusto de Aras...

...■E está sendo estarrecedor assistir ao aprofundamento desta desmontagem por Lula, e com perseguição aos que desmascararam a delinquência com dinheiro público na casa de $Bilhões.

■■Pode-se ter diferenças ideológicas, como eu tenho, com o ex-juiz Sérgio Moro e com Deltan Delagnol, e as diferenças políticas podem ser até bem grandes.
=》Mas pior que um político com quem se tem diferença é um político (ou empresário, ou doleiro, ou ...) que ROUBA dinheiro que poderia ter servido para comprar respiradores para hospitais e salvado milhares de vida dirante a pandemia; ... ou servido para que não faltasse dinheiro para pagar o Bolsa Escola em certos meses de 2014 (Bolsa Família ou Auxílio Brasil uma ova!); ... ou ser usado em política de segurança; ... ou para pesquisa acadêmica;... ou...

■Estes caras transformaram uma montanha de dinheiro em Tríplex, em Sítios, em Caixas, Maletas e Cuecas entupidas de dinheiro na Bahia, no Rio, no Ceará, no Pará, em São Paulo, usaram para gastar em campanha...

■■Entretenimento?
■Está sendo estarrecedor!

Isto tem que mudar!
Estes dois populistas corruptos têm que sair da política e ir para a cadeia.
■Tanto mais que suas políticas econômicas populistas estão destruindo o Brasil.

ADEMAR AMANCIO disse...

Saudade de um País onde o mal maior era só corrupção,ação corriqueira em todos os governos.