Folha de S. Paulo
Como definir quem acredita que a Terra é
quadrada, oval ou trapezoide?
E como explicar que pessoas de esquerda achem
que houve fraude e Bolsonaro ganhou?
Há dias, ouvi de um homem cordial, culto e respeitado que os acontecimentos do 8/1 em Brasília —invasão e depredação do Palácio do Planalto, do Congresso nacional e do STF por uma multidão de bolsonaristas— não eram suficientes para configurar um golpe de Estado. "Não havia uma liderança", ele disse. "E como dar um golpe de Estado sem líder?" Ao ouvir que há toneladas de admissões, confissões, delações, planos, minutas, vídeos, áudios e mensagens incitando ao quebra-quebra, que serviria de pretexto para uma intervenção militar —o golpe—, classificou tudo de "ficção".
A obstinação em negar algo já estabelecido,
prática hoje de milhões, não pode ser debitada à falta de informação ou a uma
cega convicção política. Pode ter razões psiquiátricas. Como definir quem
acredita sinceramente que a Terra é quadrada, oval ou trapezoide ou que se pode
rezar para pneus? Daí os surpreendentes resultados da nova edição da pesquisa
"A Cara da Democracia", comandada por técnicos de
universidades como UFMG, Unicamp,
UnB, Uerj e Enap.
À pergunta sobre se a facada em Bolsonaro foi
planejada por ele mesmo para ganhar a eleição em 2018, 58,2% responderam que
não. Mas 32% responderam que sim, sendo a grande maioria desses de esquerda, de
quem se espera alguma capacidade de observação e análise. O fato de que a
falsificação da facada exigiria a cumplicidade de cinegrafistas, maqueiros,
motoristas de ambulância, médicos, enfermeiros e anestesistas, além do povo de
Juiz de Fora naquele comício, não lhes diz nada.
Outra pergunta —"Você acredita que as
eleições presidenciais de 2022 foram fraudadas e que Bolsonaro ganhou a
eleição?"— teve 58,6% de nãos e 34,2% de sins. Diante da atual
polarização, são números normais. O incrível é que, entre os consultados que se
dizem de esquerda, 22,2% acham que houve fraude e Bolsonaro ganhou.
Volto ao começo: não se trata de
desinformação ou fanatismo por este ou aquele. É caso de analisar, uma por uma,
o que se passa na cabeça dessa turma.

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