sexta-feira, 7 de maio de 2010

Transferência de votos :: Ney Figueiredo

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A escolha de Dilma como candidata do PT transcorreu como um ato de vontade unilateral do presidente Lula, sem consulta às bases

A grande incógnita desta eleição presidencial é a real capacidade do presidente Lula de transformar a sua excepcional aprovação popular em votos para sua candidata, Dilma Rousseff.

A transferência de votos é sempre um fenômeno complexo, e a ciência política ainda não conseguiu desvendar essa questão.Na maior parte das vezes perdemo-nos em discussões que mais revelam a torcida dos envolvidos diretamente na disputa.

Na América Latina em geral, embora a seleção dos candidatos presidenciais seja um dos momentos mais importantes da vida interna de qualquer partido, seu estudo tem merecido pouca atenção.

Trabalho dos professores Francisco Sánchez Lopez e Flavia Freidenberg, da Universidade de Salamanca, na Espanha, baseado na análise de 44 partidos de 16 países do nosso continente, revela que, apesar da tendência para o emprego de processos mais inclusivos na seleção dos candidatos, nas últimas décadas tem predominado a centralização do processo de decisão.

A escolha de Dilma como candidata do PT transcorreu dentro dessa linha de comportamento, como um ato de vontade unilateral do presidente Lula, sem consulta às bases partidárias.

Seu gesto imperial teve um toque de genialidade política, pois afastou a disputa do tormentoso processo de decisão do seu partido, que ele conhece mais do que ninguém.

Lula manteve o PT longe desse processo, como fez, aliás, durante todo o seu governo, inclusive na escolha das peças-chave do primeiro ministério.

Ele conseguiu, com raro talento, manter estável a química petista ,em que o anacronismo marxista radical convive com a ala majoritária, convertida por ele à social-democracia.

Acontece que, em disputa eleitoral, as coisas não se passam como a gente quer. É preciso combinar antes com o eleitor.

Nos últimos 65 anos, desde a redemocratização do país em 1945, tivemos inúmeros exemplos de candidatos retirados do bolso do colete por governantes bem avaliados pelas pesquisas de opinião.

Sempre que a escolha recaiu em um personagem que, embora desconhecido, tivesse um perfil apropriado a um determinado momento, a escolha vingou. Quando, ao contrário, o escolhido não se enquadrava no perfil exigido, a derrota foi inevitável. Vamos aos exemplos:

Em 1990, na disputa pelo governo de São Paulo, Paulo Maluf liderava com grande folga, sendo perseguido à distância por Mário Covas.

Lá atrás, fechando a raia, vinha Fleury, com míseros quatro ou cinco pontos nas pesquisas de opinião. Acontece que Fleury era apoiado por Orestes Quércia, um dos governadores mais bem avaliados àquela época pelas pesquisas de opinião.

Fleury havia sido secretário de Segurança e era promotor público. Segurança era o carro-chefe de Maluf, e o tema caía como luva ao pupilo de Quércia. As pesquisas qualitativas indicavam que Fleury tinha, no imaginário popular, uma série de qualidades atribuídas a Maluf.

Dessa forma, o apoio de Quércia encontrou na opinião pública um clima favorável ao seu candidato.

O mesmo ocorreu no Ceará, com Ciro Gomes, apoiado por Tasso Jereissati, e com Roberto Requião no Paraná, referendado por Alvaro Dias. Todos foram eleitos.

A mesma fórmula deu certo, em São Paulo, na escolha de Celso Pitta para prefeito da capital.

No campo oposto, temos a candidatura do marechal Teixeira Lott, em 1960, apoiado por Juscelino Kubitschek, fundador de Brasília e um dos nossos presidentes mais populares.

Nada, nem a formidável máquina partidária da coligação PSD/PTB e a maioria dos governadores, conseguiu impedir a vitória de Jânio Quadros.

É por aí que caminha a sucessão de Aécio Neves. Antonio Anastasia, atual governador, ex-vice e ex-secretário de governo no primeiro mandato de Aécio, é apontado por todos como o principal responsável pelo sucesso administrativo do seu governo.

É natural que os eleitores mineiros vejam nele a continuação do governo Aécio, tão bem avaliado.

No caso presente, não tenho conhecimento de que Lula se tenha baseado em pesquisas qualitativas para tirar do bolso do colete o nome de Dilma.

Se não o fez, cometeu imprudência, pois o candidato adversário, José Serra, tem história, é administrador muito bem avaliado e pode vestir perfeitamente, por seu passado, o terno de continuador da obra de Lula.

Isso porque as grandes reformas que possibilitaram o sucesso do governo atual começaram quando Serra fazia parte do governo FHC e implantou bem-sucedida política de saúde no ministério que ocupou.

A equação não é fácil, mas também não é impossível.

Ney Figueiredo é consultor político, membro do Conselho Orientador de Pesquisas de Opinião da Unicamp, diretor do Cepac (Centro de Pesquisa e Comunicação) e autor de diversos livros, entre os quais "Diálogos com o Poder".

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