Uma fase do primeiro governo Lula foi grata surpresa, por ele ter mantido princípios da Era FH, lançados na crise de 1999. Àquela época, ao explodir o regime de câmbio rígido, o Brasil passou a ter meta de superávit primário, portanto, tratou de assumir uma postura de responsabilidade fiscal, e deixou o dólar flutuar. Estava lançada a política do tripé, com sensatez preservada por Lula, por trás do biombo do discurso da "herança maldita".
A economia acelerou o desaquecimento em 2003, primeiro ano do mandato, devido ao correto aperto fiscal e monetário feito com o objetivo de debelar as pressões inflacionárias deflagradas pela disparada do dólar na campanha de 2002, impulsionado pelo medo diante do PT. A condução da política econômica começa, porém, a mudar no final do primeiro mandato e consolida novo rumo no segundo e com Dilma.
Artigo de Armínio Fraga e Edward Amadeo, presidente do BC e ministro do Trabalho na Era FH, publicado no GLOBO de domingo, registra este movimento, no qual reformas iniciadas ainda no governo Collor são descartadas. Engavetam-se aperfeiçoamentos no mercado de trabalho, melhorias em regulações para atrair investimentos em infraestrutura etc. Abandona-se o que os dois economistas chamam de "modelo pró-mercado", substituído por um modelo "pró-negócio", em que se passa a privilegiar o microgerenciamento da atividade econômica. Vêm daí o novo modelo para o pré-sal (a Petrobras obrigada a funcionar como agente de substituição de importações), o acionamento de bancos públicos e estatais como indutores de investimentos e consumo, protecionismo, a mão pesada nas tarifas de energia elétrica.
Um dos pilares do novo modelo é a política perigosa de, por meio do BNDES, se criarem "campeões nacionais", com o uso de dinheiro público. A ideia visa a gerar grandes oligopólios, "com altos lucros para financiar investimentos e inovações", explicam os economistas. Há em tudo isto uma volta à década de 70, ao projeto do "Brasil Grande" da ditadura militar, de que o governo Ernesto Geisel é símbolo. É típica a criação de um "orçamento paralelo", à margem do Congresso, para o Tesouro bombear bilhões rumo ao BNDES, a fim de o banco induzir o surgimento dos tais oligopólios. No período Geisel, o BNDES criou subsidiárias (Fibase, Embramec e Ibrasa) com o mesmo objetivo. Não deu certo, as contas públicas e a inflação explodiram.
E o erro se repete. A economia está anêmica e a taxa de investimentos, idem (pouco menos de 19% do PIB, quando o necessário são 25%). Fraga e Amadeo temem que, como há quatro décadas, o intervencionismo frustre os planos de desenvolvimento da sociedade. Com o agravamento de que, alertam os autores, os efeitos da "herança bendita" de FH - reformas que sustentaram ciclos de crescimento nos últimos dez anos - podem estar se esgotando. E a política que se esboça agora já não funcionou no passado.
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