A presidente Dilma Rousseff tem feito o possível para fazer do limão das multidões contra tudo nas ruas das cidades brasileiras a mesma limonada envenenada com que seu Partido dos Trabalhadores (PT) tenta em vão engabelar o País desde 2007. Há seis anos os petistas querem moldar as instituições republicanas aseus interesses específicos e impor a suas bases no Congresso Nacional uma reforma política que favoreça, se não uma imitação tupiniquim do bolivarianismo chavista, pelo menos a garantia de sua permanência no poder. Mas a acachapante maioria no Legislativo não bastou para aprovar o que os maiorais do socialismo caboclo consideram fundamental para manter suas "boquinhas". Agora o povo foi para a rua e a chefe do governo tentou incontinenti surrupiar suas palavras de ordem para convocar uma Constituinte exclusiva, capaz de satisfazer os caprichos que a reforma constitucional não possibilitou. O óbvio golpe sujo não colou, mas ela mantém idêntica embromação em forma de consulta popular, o plebiscito.
Acontece que as multidões ocuparam as ruas para reclamar, primeiro, da elevação da tarifa do transporte público. E daí em diante, sem oposição à altura que os represente na democracia, os manifestantes passaram a protestar contra o óbvio: a inflação, a impunidade, a violência, a corrupção e, sobretudo, a péssima prestação de serviços por um Estado que cobra um absurdo de impostos. A Central Única dos Trabalhadores (CUT), braço sindical do PT (ou será o contrário?), foi rechaçada a pauladas de manifestação no Rio. E ninguém no País ouviu os gritos de "fascistas" com que militantes esquerdistas tentaram abafar o clamor apartidário que abortou a tentativa de infiltrar bandeiras do partido e camisas vermelhas numa passeata na Avenida Paulista. Esses invasores obedeciam à palavra de ordem do presidente nacional petista, Rui Falcão, que queria reverter a onda contra políticos numa manifestação a favor de Dilma e seus correligionários, alvos prioritários da insatisfação generalizada.
A resposta do governo foi de um cinismo atroz. Com o ministro da Educação, Aloizio Mercadante Oliva, no papel de Richelieu do Cerrado, dona Dilma pediu ao povo na rua o aval para uma reforma política de interesse exclusivo de sua grei. O PT quer lista fechada de candidatos indicados pela oligarquia partidária para furtar do eleitor o direito de escolher seu parlamentar preferido. E financiamento público exclusivo para campanha eleitoral para extorquir do bolso do contribuinte despesas de propaganda de candidatos, cada vez mais altas. O cidadão já contribui para o tal Fundo Partidário e está com as finanças exauridas de tanto patrocinar vantagens e benesses dos "pais da Pátria".
Ao fazê-lo, ela diz que está ouvindo a "voz rouca das ruas". Mas o povo quer mudar tudo e ela só dará mais do mesmo. Enquanto seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciava que aumentará a carga tributária, com que o brasileiro não suporta mais arcar, para pagar promessas feitas para dissolver as passeatas das massas, ela reu-niu37 de seus 39 ministros, quase todos recrutados das bancadas dos partidos que alicia para seu palanque para a reeleição.
Talvez ela não tenha nomeado um ministro para cuidar das redes sociais porque o 40.° à mesa lembrará certo conto das 2.001 noites. Tal referência certamente não é nada agradável enquanto Rosemary Noronha, amiguinha íntima de seu padrinho e antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, protagoniza um escândalo em que é acusada pela Polícia Federal (PF) de fazer parte de uma quadrilha que traficava influência na cúpula federal. Por que Dilma não aproveita a capacidade auditiva que nunca tinha demonstrado antes para dispensar seu ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, da condição de Maquiavel do Planalto para que ele solucione este caso e descubra quem lucrou com a tenebrosa transação da compra da refinaria de Pasadena pela Petrobrás?
Mas ela preferiu foi se aproveitar com desfaçatez oportunista da conquista da Copa das Confederações, definindo a própria gestão, contestada em praça pública, como "padrão Felipão". Mesmo tendo o Datafolha revelado na véspera sua queda de 27 pontos porcentuais e a constatação de que já não ganharia a reeleição no primeiro turno. Em vez de reunir o Ministério, cujo número a incapacita de conversar com um por um, ela deveria tê-lo reduzido a 12, número fixado por Jesus Cristo como ideal para uma equipe administrável. Mas como esperar isso de quem convoca governadores, prefeitos, sindicalistas, gays e lésbicas para que a escutem, e não para ouvi-los?
Pelos decibéis de suas broncas em subordinados, que contrastam com o papel de boneco de Olinda (só que falante!) que ela desempenha em pronunciamentos públicos convocados para embromar os cidadãos, que trata como súditos, Dilma deve ter muita dificuldade em ouvir a própria voz. Quanto mais a dos interlocutores que convoca para... escutá-la! Seus berros de "otoridade", porém, não impedirão que os clamores da rua cheguem às casas dos brasileiros. A queda vertiginosa nas pesquisas deixa claro que as favas para a reeleição já não são contadas e, se ainda é cedo para prever sua eventual derrota no pleito, não custa lembrar que a galáxia de adesões obtidas com a barganha de cargos por apoio parlamentar pode encolher com os índices de prestígio.
De fato, seu antecessor e padrinho Lula caiu para 28 pontos (dois menos do que ela agora) na pesquisa Datafolha feita à época em que o mensalão foi denunciado e, ainda assim, se reelegeu. Só que agora o julgamento desse escândalo no Supremo Tribunal Federal STF) e a condenação de seus companheiros Dirceu e Genoino deram à Nação a certeza de que seu partido em nada contribuiu para reduzir a corrupção no País. E se ela continuar condescendendo com a inflação e a impunidade, os cidadãos poderão sair de suas casas e das ruas para votar contra a perenização do status quo que os deixa indignados.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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