A preocupação do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, com a fidelidade partidária, confirmada ontem com sua decisão de pedir o mandato de parlamentares que tenham tentado burlar a legislação partidária, já é clara no parecer relativo à ação direta de inconstitucionalidade proposta no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo PPS contra a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que permite a mudança de partido, no caso de formação de uma nova legenda política.
Mesmo concordando com o PPS, o procurador pede que o Supremo, se considerar também inconstitucional, module os efeitos de sua decisão para garantir o princípio da segurança jurídica, uma garantia do cidadão firmada na Constituição brasileira. Essa modulação seria declarar que a troca de legenda para a criação de partido político ensejaria a perda do mandato “apenas a partir do trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida nesta ação direta de inconstitucionalidade”.
Dificilmente o PPS sairá vitorioso dessa disputa no Supremo, pois foi com base em decisões do próprio STF que o TSE baixou as normas de justa causa que permitem a mudança de partido sem a perda de mandatos. Ontem, a Procuradoria Geral Eleitoral (PGE) propôs ao TSE 13 ações de perda de mandato apenas por desfiliação partidária sem justa causa contra parlamentares. Segundo os pedidos, os deputados não comprovaram o cumprimento de qualquer das hipóteses legais que autorizam o procedimento de desfiliação.
Contrariando a tese do TSE de que o mandato pertence aos partidos e não ao eleito, o fundamento dos pedidos da Procuradoria Geral está baseado “no caráter representativo do mandato, como expressão da vontade popular. O eleitor confere a representação ao parlamentar vinculado a certo partido, que encarna o ideário que se pretende avançar na disputa pelo poder político.
A infidelidade quebra essa relação de confiança e permite à sociedade que reivindique o mandato através do Ministério Público”, alega o procurador. Outro processo que Janot pretende combater é a tentativa de muitos de driblar a legislação eleitoral fazendo uma escala em um partido novo. A PGE detectou diversos casos em que parlamentares saíram de seus partidos com a alegação de formar um novo para, em seguida, mudarem-se para legendas já estabelecidas.
Seria, no exemplo do próprio Janot, uma escala técnica para chegar ao objetivo inicial, que era trocar simplesmente um partido por outro, sem compromisso com nova legenda. A senadora Kátia Abreu, por exemplo, saiu do DEM para se filiar ao PSD, seguindo a decisão aprovada pelo TSE, mas recentemente se mudou para o PMDB, o que pode ser considerado drible na legislação.
Já o deputado Alfredo Sirkis saiu diretamente do Partido Verde para o PSB, junto com Marina Silva, e está na primeira lista da Procuradoria Geral divulgada ontem. Quem provocou toda essa confusão partidária foi o PSD do ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, que montou uma das maiores bancadas da Câmara com deputados saídos de diversos partidos.
Ele conseguiu no Supremo permissão para que os deputados que mudassem de partido levassem para a nova legenda o tempo de televisão e o fundo partidário correspondente à sua votação, o que criou um verdadeiro mercado paralelo para a criação de novas legendas, como o PROS e o Solidariedade.
Sintomaticamente, o PSD de Kassab uniu-se ao governo federal para mudar a legislação e impedir que Marina Silva levasse para a sua Rede Sustentabilidade o tempo de televisão e o fundo partidário de seus fundadores. Tal legislação foi aprovada após muita polêmica, mas todos os parlamentares que mudaram de partido antes de sua promulgação, a 30 de outubro, estão com seus direitos garantidos.
Como se vê, essa questão da fidelidade partidária está merecendo uma legislação mais ampla, que defina de uma vez por todas os direitos e deveres dos parlamentares dentro de uma ampla reforma político-eleitoral .
Fonte: O Globo
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