Manual de conduta, elaborado pelo Ministério da Justiça, para a tropa de choque se orientar durante protestos nas ruas é visto com cautela por especialistas. Para ex-secretário, planejamento é mais importante que papel
André Shalders
O Ministério da Justiça divulgará uma portaria regulamentando o uso das tropas de choque durante protestos e manifestações de rua. O documento, elaborado pelo Conselho Nacional de Comandantes Gerais de Policias Militares (CNCG) e pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), do Ministério da Justiça, detalha o uso de armas não letais, a organização de centros de controle e até mesmo equipamentos que devem ser disponibilizados aos policiais. Para o coronel reformado da PM paulista e ex-titular da Senasp José Vicente da Silva, a norma só surtirá efeito se for acompanhada de um planejamento e de um reforço na formação dos agentes.
“A norma é positiva, especialmente por ter sido elaborada por pessoas experientes. Mas ela, por si só, não trará os efeitos desejados, se não vier acompanhada de um planejamento mais minucioso e de uma formação mais aprimorada dos quadros da polícia”, destaca o especialista. Para o presidente do CNCG, o coronel da PM de Mato Grosso do Sul, Carlos Alberto David dos Santos, a edição da portaria é parte de um esforço de aprendizado. “Manifestações como as de junho são um fato novo. Quem disser que sabe exatamente como lidar com elas estará mentindo. Estamos todos aprendendo”, acredita.
Para o ex-superintendente da Polícia Federal em Brasília Daniel Sampaio, a norma pode limitar a eficácia das polícias ao quebrar o elemento-surpresa durante as operações. “A pessoa que chega a comandar uma operação deste tipo já recebeu um grande investimento do Estado em treinamento e tem discernimento para dar ordens. Parte da eficácia depende da autonomia de quem está à frente da situação. As normas não tem de engessar o comando”, avalia.
De acordo com o texto, os estados terão 60 dias para adequar-se às regras. A minuta atribui à Secretaria Nacional de Direitos Humanos a responsabilidade de acompanhar a implementação e diz que o cumprimento das regras será levado em conta pela Senasp na hora de repassar dinheiro às forças de segurança dos estados.
Negociação
A minuta estabelece que as tropas de choque só poderão ser utilizadas depois de “esgotadas as tentativas de negociação ou de contenção inicial realizadas pelo policiamento regular”. Em protestos com grande número de participantes, as forças de segurança deverão estabelecer “Centros de Comando e Controle”, afastados das manifestações, e que servirão, inclusive, para receber manifestantes detidos e oferecer atendimento médico aos feridos. Com a edição da portaria, as polícias poderão passar a fazer a segurança dentro dos estádios de futebol.
A atuação da imprensa também está detalhada na norma. Jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas deverão participar de reuniões prévias com os órgãos de segurança, que indicará quais zonas deverão ser evitadas. O documento regula ainda a identificação e os equipamentos de segurança dos policiais das tropas de choque, o tipo de veículo a ser usado nas operações e o uso de ações de inteligência, como agentes infiltrados entre os manifestantes (ver quadro). Fica liberado o uso de armas não letais, tais como bombas de gás lacrimogêneo, tasers e gás de pimenta. “O objetivo é delimitar claramente que tipo de instrumento pode ou não ser usado, até para evitar que as polícias tenham sua atuação contestada depois”, explica o coronel David dos Santos.
Regras para protestos
Confira os principais pontos da portaria interministerial preparada pelo Ministério da Justiça e pelo Conselho Nacional de Comandantes Gerais de Polícias Militares (CNCG).
Busca do diálogo
» As tropas de choque devem ser acionadas somente depois de esgotado o diálogo com os manifestantes.
Centros de Controle
» Em protestos de grande dimensão, a cartilha prevê a criação de “Centros de Comando e Controle”, afastados da concentração.
Violência em estádios
» A recomendação é de que as polícias militares passem a fazer a segurança dos jogos.
Imprensa
» As forças de segurança serão instruídas a realizar reuniões prévias com jornalistas que cobrirão os protestos.
Proteção para policiais
» A portaria estabelece uma série de equipamentos que deverão ser utilizados pelos policiais: capacetes com viseira e proteção para a nuca, escudo, caneleiras, cotoveleiras, colete à prova de balas e cassetete com 90 cm de comprimento.
Armamento não-letal
» Fica liberado o uso de tasers (referidos como “dispositivos eletroincapacitantes”), spray de pimenta, balas de borracha, bombas de efeito moral, jatos de água, entre outros.
Cães e cavalaria
» A portaria destaca que a principal finalidade de uso desses animais é a intimidação dos manifestantes. Para tal, cães e cavalos deverão ser treinados.
Infiltrados
» A proposta prevê a utilização de policiais infiltrados e outras atividades de inteligência.
Fonte: Correio Braziliense
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