terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Prisão após 2ª instância opõe Gilmar e PGR

Ministro do STF vê prisão provisória ‘eterna’ na Lava Jato, enquanto PGR defende cumprimento de pena após recurso

Beatriz Bulla, Breno Pires / O Estado de S. Paulo.

BRASÍLIA - O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e a procurador-geral da República, Raquel Dodge, apresentaram ontem, em eventos diferentes, entendimentos antagônicos sobre a execução da prisão após decisão em segunda instância. Gilmar afirmou que o cumprimento da pena, com a Lava Jato, tornou-se “algo dispensável”, uma vez que a prisão provisória passou a ser “eterna”. Raquel, por sua vez, defendeu a prisão após julgamento do recurso nos tribunais de segundo grau como um dos instrumentos jurídicos de combate à corrupção, sem os quais o Brasil viverá um “duro golpe”.

“Se a corrupção continuar em níveis tão elevados e perdermos os instrumentos jurídicos que realmente nos permitem enfrentá-la, como a execução da pena em segunda instância, a titularidade (do Ministério Público Federal) para celebrar acordo de colaboração premiada, a força do acordo de leniência, o Brasil sofrerá o duro golpe de perder o futuro promissor e ter de viver em um presente marcado pela desonestidade e pela desconfiança”, afirmou Raquel, em sua mais longa manifestação pública sobre o tema, durante um evento em comemoração ao Dia Internacional de Combate à Corrupção.

A previsão de execução da pena após uma decisão de segunda instância – antes do esgotamento de todos os recursos nos tribunais superiores – foi admitida pela maioria do Supremo em outubro do ano passado. Recentemente, no entanto, parte da Corte tem sugerido a possibilidade de reversão desse entendimento, com um novo julgamento.

Em outro evento ontem em Brasília, sobre independência e ativismo judicial, Gilmar afirmou que, sem a revisão do entendimento sobre a prisão em segunda instância, o papel do Supremo e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fica reduzido na garantia dos direitos do cidadão brasileiro. “Se tem quase uma demissão nossa”, disse o ministro.

‘Desconfianças’. Raquel admitiu a existência de “desconfianças” sobre seu compromisso com o combate à corrupção e afirmou que o tema na sua gestão é “prioritário”. “São indagações autênticas, verdadeiras e coerentes, algumas carregadas de desconfianças e dúvidas que são em tudo compatíveis com a leitura crítica da história brasileira, marcada por ondas sucessivas de avanços e retrocessos no enfrentamento da corrupção”, afirmou.

Ela foi nomeada procuradora-geral pelo presidente Michel Temer apesar de não ter ficado em primeiro lugar na lista tríplice elaborada pelos integrantes do Ministério Público Federal (MPF) – o primeiro colocado foi Nicolao Dino, aliado do ex-procurador-geral Rodrigo Janot. Na época da indicação, o antecessor de Raquel já havia enviado ao STF a primeira denúncia contra Temer, por corrupção passiva, com base nas delações de executivos do Grupo J&F. Raquel e Janot são desafetos no Ministério Público.

Compromisso. Nos primeiros discursos após a posse, realizada em 18 de setembro, a procuradora-geral fez breves menções ao combate à corrupção. Ontem, porém, assegurou seu compromisso com o tema. “Considero muito importante dizer a todos com clara sinceridade algumas razões que presidem minha firme atitude contra a corrupção”, afirmou. Raquel disse que o MPF vai continuar a usar instrumentos como delação premiada, leniência, forças-tarefa, execução da pena após a segunda instância e a Lei da Ficha Limpa.

“Algumas quadrilhas foram desbaratadas, mas muitas continuam a agir com desfaçatez, à luz do dia e em conluios que não escapam a registros, a câmeras de vídeo e a colaborações. Outras escondem quantias milionárias, às vezes de modo tão petulante e displicente que nos dão a certeza de que não temem a punição”, afirmou a procuradora-geral, sem mencionar casos concretos.

Segundo Raquel, o mensalão e a Lava Jato são “marcos exitosos” da empreitada do MPF contra a corrupção.

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