- Folha de S. Paulo
Ex-presidente ainda é visto como uma espécie de deus entre os petistas
O Brasil, como qualquer democracia, precisa de um partido de massas mais à esquerda. Desde o início dos anos 90, era o PT que vinha desempenhando esse papel. Eu receio, porém, que a obstinação com que a legenda se abraça a Lula poderá custar-lhe o posto de principal partido de esquerda.
Durante 13 anos, o PT ocupou o Palácio do Planalto. Houve bons momentos, de forte crescimento econômico com pleno emprego, mas não há como se furtar ao resultado final: as gestões petistas produziram dois dos maiores escândalos de corrupção do país e uma recessão brutal, que levou ao impeachment de Dilma Rousseff, e da qual ainda levaremos alguns anos para nos recuperar.
Num país normal, o partido sob cuja administração essas coisas ocorreram seria escanteado para a oposição e mergulharia num processo de autocrítica. À medida que conseguisse explicar seus erros e mostrar que aprendeu com eles, poderia reconquistar a confiança do eleitor.
O caso Lula, porém, subverte esse que seria o processo natural. Seriamente encrencado com a Justiça, Lula tem como único discurso negar não só seu envolvimento pessoal como também a participação maciça do PT nos esquemas de corrupção e a própria responsabilidade do partido na recessão. Nas versões mais delirantes, a crise seria consequência de um complô de potências estrangeiras para se apossar do pré-sal.
Como Lula ainda é visto como uma espécie de deus entre os petistas —no que constitui mais uma evidência das similaridades entre o pensamento político e o religioso—, a legenda parece incapaz de abandoná-lo. E, ao acompanhá-lo em seu discurso dissociativo, deixa de fazer a autocrítica que lhe permitiria mudar de página e encarar o futuro.
Se, no passado, Lula já foi a escada na qual o PT se apoiou para conquistar o eleitor mediano, ele agora se tornou a âncora que impede o partido de seguir adiante.
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